terça-feira, 15 de julho de 2008

Ecos - Quarto Ato - Fim da Oitava Temporada

CENA INT. PORÃO DO NAVIO - CONTINUANDO

Xena repreende os vultos com seu remo.

XENA
Parados! Gabrielle e eu estamos neste
navio sozinhas. Vocês não são reais.

Solan agarra o remo e empurra Xena para trás, com uma força surpreendente.

SOLAN
Somos tão reais quanto você.

Cyrene toma a outra ponta do remo.

CYRENE
Ou, você é tão real quanto nós.


Xena segura firme no remo, e com uma dupla torção de corpo, ela o arranca e o liberta deles. Ela dá um passo para trás.

XENA
O que vocês querem?

Mais vultos aparecem. Pontos agudos de luz, fitando Xena da escuridão. Um tem um vago contorno de uma Amazona da floresta. Outro pode quase ser Borias.

CYRENE
Nós queremos que você se sinta
como nós nos sentimos, Xena.

SOLAN
Traídos.

Os vultos se aproximam. Xena levanta o remo para se proteger.

CYRENE
Você sabe como é se sentir
sendo queimada, Xena?

Os olhos de Xena se estreitam.

XENA
Você sabe como é se sentir sendo
apedrejada até a morte, mãe?
Traição é algo que eu conheço...
(bufando suavemente)
Intimamente.


Um pedaço grosso de madeira surge da escuridão. Xena o desvia com o remo. Outro naco se segue. Ela o bate para o lado.

CYRENE
Não desperdicem seu tempo.
Ela não se importa conosco.

XENA
Você está errada, mãe.

Os vultos se lançam adiante. Xena se prepara.

SOLAN
Esperem. Não é desse modo.

Os vultos se movem de forma confusa, formando um denso semi-círculo em volta de onde Xena está parada.

CYRENE
Esse é o único modo
que ela entende.

Os vultos irrompem até Xena, fluindo por todos os lados. Xena se retorce e dispara na direção da outra ponta do porão.

Os vultos a circundam como moscas. Ela os golpeia para fora, mas eles tomam conta dela, e ela se debate entre o aperto eles.

XENA
Deixem-me em paz!

Os vultos a pressionam para baixo, e Xena é inundada de lembranças do seu passado. Uma visão de ela entregando Solan. Uma visão de Amphipolis sendo destruída durante seus anos iniciais. Uma visão de Solan morto em seus braços. Uma visão de Cyrene queimando. Uma visão do Inferno abrindo abaixo da taverna de Cyrene.



XENA
(continua)
(gritando)
Não!

CORTA PARA:

CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - CONTINUANDO

Gabrielle está presa, encostada no final da proa do navio. A tempestade está agora se enfurecendo novamente, e ela é arremessada contra o parapeito e quase passa dele. Ela se segura tenazmente, afastando o rosto contra seus pesadelos.

Esperança se arremete adiante. Gabrielle se esquiva, mas escorrega no úmido convés e fica de joelhos.

ESPERANÇA
Qual o problema, mãe?
Um pouco desequilibrada?

Gabrielle se levanta e dá firmeza a suas pernas. Seu rosto está severo, de cara fechada.

GABRIELLE
Eu nunca fiz nada para magoar
nenhum de vocês. Deixem-me em paz.


Duas sombras vêm à frente.

HECUBA
Isso não é verdade! Se você não tivesse partido, os
traficantes de escravos nunca teriam nos pegado!

HERÓDOTO
Como nós morremos, foi por causa de você!

Gabrielle fita seus pais.

GABRIELLE
Isso não é verdade. Se eu não
tivesse partido com Xena...

ESPERANÇA
Xena, Xena, Xena....
Vê? É sempre Xena.

GABRIELLE
Se eu não tivesse partido com ela,
eu teria sido pega.

ESPERANÇA
Então você admite seu egoísmo!
Você nunca se importou com nenhum
de nós. Só consigo mesma.
(pausa)
E Xena.

GABRIELLE
(ardentemente)
Isso não é verdade!

PÉRDIGAS
Sim, é verdade, Gabrielle. Os mortos
ouvem os pensamentos dos vivos, lembra?
Imagine como eu senti frio em meu túmulo,
morrendo por sua causa... Apenas para
ouvir você pensando nela.

Gabrielle cai em silêncio.

ESPERANÇA
Imagine como me senti sendo empurrada para
cair dentro de um poço de lava... por ela.


HECUBA E HERÓDOTO
Imagine como nos sentimos observando você
virar as costas para nós... por ela.

Gabrielle se segura no parapeito com ambas as mãos. Ela sabe que há uma verdade em tudo isso, não importa as circunstâncias.

GABRIELLE
(suavemente)
O que vocês querem de mim?

Esperança sorri.

CORTA PARA:

CENA INT. PORÃO DO NAVIO - NOITE

Xena está presa sob o peso dos vultos. Ela luta desesperadamente para se libertar, mas a intensidade deles é grande demais. Eles a bombardeiam com imagens de seu passado e do que ela fez.

Repetidas vezes, ela sente a morte de Solan, sente a tortura na masmorra de Ming Tien, sente o tapa da mão de Gabrielle em seu rosto.

Esse som ressoa pelo porão.

Xena deixa sair um grito inexprimível de agonia.

SOLAN
Mãe! Você tem uma chance!

Solan toma o rosto de Xena em suas mãos. Xena olha fixo para ele.

SOLAN
(continua)
Não a deixe destruir você.
(suavemente)
Deixe-a ir.

XENA
Por q...?

Solan acaricia as bochechas de Xena com seus polegares.

SOLAN
Tudo o que você tem que fazer
é me dizer que me ama.

XENA
Solan, eu amo. Sempre amei.

SOLAN
Mais do que ama a ela.

Xena fita Solan.


SOLAN
(continua)
Dê-nos paz. Não nos deixe queimar com
o entendimento de que nossos corações
foram traídos por alguém que te traiu.

XENA
Solan...

SOLAN
Diga, mãe. Tire-a de seu coração,
e nós te amaremos no lugar.

Xena fecha os olhos, uma expressão de dor em seu rosto.

CORTA PARA:

CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - NOITE - AO MESMO TEMPO

Esperança caminha adiante, estendendo sua mão. Ela não está mais zombeteira. Por uma vez, ela está lúgubre e séria.

ESPERANÇA
Nós duas fizemos más escolhas. Mas...
Seja como for, você é minha mãe.

Gabrielle a observa tensamente. Momentaneamente, ela fecha os olhos, e sua cabeça se ergue em uma posição de escuta. Ela levanta a cabeça e olha de volta para Esperança depois de uma breve pausa.

GABRIELLE
Sim, eu sou.

ESPERANÇA
Então me diga que me ama mais
do que ama a ela. Faça isso
significar alguma coisa.

Esperança estende a mão. Ela olha para Gabrielle direto no olho. O resto dos vultos espera em total imobilidade.

Mesmo a tempestade se aquieta. Esperando.

Gabrielle se inclina e toma a mão de Esperança.

GABRIELLE
Não posso.


Gabrielle puxa Esperança para perto dela inesperadamente.

GABRIELLE
(continua)
Não posso te dizer isso, Esperança. Porque
você está certa. Eu amo Xena mais do
que qualquer coisa no mundo.

Esperança grunhe.

GABRIELLE
(continua)
(intensamente)
E, pelos deuses, depois do que eu tive que
passar para tê-la do meu lado, vai ser
preciso muito mais do que você para
tirar ela de mim novamente.


Gabrielle se arremete, agarrando Esperança com as mãos e a arremessando para um lado enquanto ela se lança direto entre o centro dos vultos, deixando sair um grito selvagem.

Os vultos mergulham caindo em cima dela, mas Gabrielle os perpassa pelo convés até uma pequena escotilha despercebida até agora atrás do mastro do lado oposto.

Gabrielle arranca a abertura da escotilha, abrindo-a, e rompe suas dobradiças, jogando-a de volta no rosto de Esperança enquanto ela se levanta. O resto dos vultos se despeja em torno de Esperança, fluindo rápido na direção de Gabrielle com os braços estendidos.

ESPERANÇA
Espere, MÃE.

Esperança aponta ameaçadoramente.

ESPERANÇA
(continua)
Xena teve que fazer sua própria
escolha lá embaixo. Claro que você
já sabe qual a resposta vencedora?

Gabrielle fita Esperança.

ESPERANÇA
(continua)
Aquele chakram não vai apenas
partir seu crânio desta vez.

Gabrielle olha para baixo dentro do buraco escuro. Ela olha para cima, para Esperança.

GABRIELLE
Eu vou arriscar.


Gabrielle caminha entre a escotilha e desaparece. Com um uivo, Esperança e o resto dos vultos a seguem.

CORTA PARA:

CENA INT PORÃO DO NAVIO - AO MESMO TEMPO

Xena está deitada no chão, seus braços estendidos, seu corpo tenso. Ela está olhando fixo entre a escuridão.

XENA
Nunca.

Solan se agacha sobre ela, os vultos se contorcem sobre seu rosto.

SOLAN
Nem mesmo por seu filho?

XENA
Meu filho...

Ela respira fundo.

XENA(continua)
... nunca teria me pedido isso. Yeahhh!!!

Xena arqueia suas costas e salta para cima com uma incrível velocidade e violência. Ela atira Solan para trás, longe de si, e mergulha no chão, encontrando seu remo perdido e então voltando a ficar de pé após uma cambalhota.

Solan a ergue e a arremessa contra a parede dos fundos. Xena pula dali e recupera o equilíbrio. Ela encara seus demônios com a cabeça altamente erguida.

A escuridão se fecha em torno dela. Solan liderando o caminho.

SOLAN
Então nós lhe levaremos para um
lugar tão escuro que você nunca
descobrirá como sair de lá.

XENA
É? Tentem.


Xena coloca as costas na parede e ergue seu remo quando os vultos convergem para ela. Mas antes que eles possam sobrepujá-la, um som sobre suas cabeças faz Xena olhar para cima.

Um quadrado de luz aparece, depois some quando algo cai por ele.

Xena solta o remo e pega Gabrielle no lugar, assim que dois grupos de demônios se empilham no topo de ambas, com o toque deles trazendo-lhes grande dor.

XENA
(continua)
Augh!!

GABRIELLE
Ahhhh!!!!

Enquanto seus gritos reverberam, os vultos abruptamente somem.

Os sons desaparecem.

O navio pára de balançar.

O porão é repentinamente inundado de luz. Envoltas uma nos braços da outra, Xena e Gabrielle olham para cima para ver a lua cheia brilhando sobre elas.

Os únicos barulhos são o estalar das vigas, e dois grupos de respirações desiguais. Gabrielle pousa a cabeça no ombro de Xena e fecha os olhos.

Xena mantém sua cabeça erguida, absorvendo a luz enquanto abraça Gabrielle firmemente.

A tempestade acabou.


FADE OUT.

FIM DO QUARTO ATO

CONCLUSÃO

FADE IN:

CENA EXT. DOCAS DA CIDADE - DIA SEGUINTE - MANHÃ

É pôr-do-sol sobre a cidade. A luz não ajuda em nada o visual. É um roto e gasto vilarejo pesqueiro, com sal incrustado nos prédios e um monte de ferrugem em tudo.

Às docas, porém, está o último navio, amarrado firmemente. Há escadas de corda colocadas contra ele, e já há homens trabalhando nele e perto dele, embora eles parecem muito cuidadosos em volta da embarcação.

A porta para a estalagem se abre, e Xena e Gabrielle emergem. Elas caminham descendo ao cais e se sentam em um caixote, observando a ação em torno do navio.

GABRIELLE
(continua)
Não parece tão assustador
na luz do dia, parece?


Xena estuda a doca em silêncio.

O estalajadeiro vai correndo até elas, nervoso e aborrecido.

ESTALAJADEIRO
Ah... Ah, aí estão vocês. Hum... ouçam, eu realmente
quero dizer a vocês apenas o quão terrivelmente
sentido eu estou sobre o que aconteceu...

XENA
Então você já disse.

GABRIELLE
Dez ou onze vezes agora.

O estalajadeiro torce as mãos.

ESTALAJADEIRO
Sim, bem, deu tudo
certo, não foi?

Xena e Gabrielle olham fixo para ele.

GABRIELLE
Vocês sabiam que aquilo
estava lá, não sabiam?

ESTALAJADEIRO
(aborrecido)
Oh, vocês não entenderiam...

XENA
Tente.


O estalajadeiro se senta.

ESTALAJADEIRO
Belegos era um capitão de navio. Um capitão de
navio muito famoso, que era um maravilhoso
pescador, e uma boa pessoa.

Xena observa ele juntando as mãos, enquanto Gabrielle escuta.

ESTALAJADEIRO
(continua)
Ele se apaixonou por uma moça daqui e se
casou com ela. Ele estava louco de amor
por ela. Idolatrava-a... teria feito
qualquer coisa por ela afinal.

GABRIELLE
Continue.

ESTALAJADEIRO
Quando ele estava no mar, a moça... Bem...
Enfim, ela o traía e uma noite ele atracou
inesperadamente e foi para casa. Era
o aniversário deles, sabe, e...

GABRIELLE
Ah.

O estalajadeiro se levanta e limpa a mão no avental.

ESTALAJADEIRO
Ele nunca superou isso. Ele matou
a ambos, e desapareceu.

Ele olha para o barco.

ESTALAJADEIRO
(continua)
Alguns anos depois, o chamado começou.
Nós sabíamos que, quando o sino toca, nós
tínhamos que enviar alguém lá ou então...

XENA
(de modo chato)
Essas pessoas nunca voltaram.

ESTALAJADEIRO
(de modo desajeitado)
Ah, Não. Mas nós tínhamos que ir, porque
caso contrário ele arruinaria a pesca, e
você sabe... Nós... vivemos... disso.

Gabrielle o olha nos olhos.

GABRIELLE
Vocês nos mandaram lá para morrer.


ESTALAJADEIRO
Ah... Bem, sim, mas vocês não morreram.
Logo, tudo está bem então, sim?

Xena olha fixo direto à sua frente.

XENA
Claro.

ESTALAJADEIRO
Ótimo. Bem, eu tenho que voltar à minha
estalagem. Claro que vocês não ficarão
conosco outra noite?

Xena vira a cabeça e o fita.

O estalajadeiro parte correndo apressado. Xena e Gabrielle são deixadas olhando para o barco, e o mar além dele. Depois de um breve momento, Xena se levanta e oferece a mão à Gabrielle. Gabrielle a aceita, e elas caminham descendo pela estrada até alcançarem o litoral, com uma visão desobstruída do mar.

Elas se sentam juntas nas rochas e ouvem às ondas. Gabrielle pega uma pedra e a arremessa na água.

GABRIELLE
O quanto disso era real, Xena?

Xena balança a cabeça.

XENA
Não sei.

GABRIELLE
Quer dizer, como o fantasma do capitão, ou quem
quer que seja, sabia a quem invocar? Sabia
quais de nossas lembranças iriam...

XENA
Eu não acho que ele sabia.

Gabrielle se vira e olha para Xena.

XENA
(continua)
Acho que ele simplesmente depende de
dragar a pesca das piores coisas na
consciência de qualquer um.


Gabrielle reflete sobre isso por vários segundos.

GABRIELLE
(silenciosamente)
Ele com certeza tirou a sorte
grande com você e comigo.

Xena suspira e pega uma pedra, atirando-a no mesmo lugar que a de Gabrielle.

XENA
É. Com certeza que sim.

Ela arremessa outra pedra.

XENA(continua)
Imagina o que o fez parar?

Gabrielle lentamente se inclina contra o ombros de Xena, esticando-se para tomar a mão de Xena nas suas.

GABRIELLE
Vai ver ele finalmente encontrou uma pessoa
que amava do jeito que ele amou.


XENA
(sorrindo fracamente)
Vai ver ele encontrou duas pessoas.

GABRIELLE
É.
(hesitando)
Acho que encontrou.

Gabrielle agarra a mão de Xena firmemente. Ambas então falam de uma só vez.

GABRIELLE
(continua)
Ei...

XENA
Ei...

Elas caem em silêncio, e olham uma para a outra. Xena levanta a outra mão e toca o lado do rosto de Gabrielle ternamente.

XENA
(continua)
Nós derrotamos nossos piores inimigos.

Uma lágrima solitária rola na face de Gabrielle. Xena a limpa com seu polegar, depois descansa sua testa contra a de Gabrielle.

GABRIELLE
É, nós fizemos isso, não fizemos?

Depois de um breve momento, elas se beijam. Quando elas finalmente se separam, elas envolvem seus braços em torno uma da outra, firmemente.

XENA
(suspirando)
Quer saber?

GABRIELLE
(muito suavemente)
O quê?

XENA
Da próxima vez nós ficamos com o banho mineral,
e deixamos eles responderem ao seu próprio sino.

Gabrielle sorri ao pôr-do-sol.

GABRIELLE
Estou nessa com você, parceira.
(suspirando)
Estou nessa com você.

Uma gaivota gira sobre a praia, enquanto Xena e Gabrielle se inclinam uma contra a outra.


FADE OUT.

Ecos - Terceiro Ato

CENA INT. PORÃO DE CARGA DO NAVIO - NOITE - AO MESMO TEMPO

Xena cai na escuridão e pousa no fundo do porão com um baque surdo. A escotilha está agora alto acima dela. Um borrifo de gotas da chuva cai da madeira e se esparrama sobre o rosto de Xena.

XENA
Argh!

Ela se levanta resmungando.

XENA(continua)
Filho de uma b...


Xena olha em volta, tateando seu caminho através do porão escuro. Uma fina quantidade de luz vem de ripas na cobertura da escotilha, o suficiente para Xena distinguir detalhes vagos.

Não há muito para ser visto.

Xena vai até onde ela achava que tinha visto degraus e não encontra nada. A superfície em que ela esteve de pé se foi.

XENA
(continua)
O que diacho de Hades está acontecendo?

Ela inclina a cabeça para trás e grita.

XENA
(continua)
Gabrielle!

Não há resposta. Xena se vira em um círculo lento, escutando. Está muito quieto no convés, exceto pelo estalar de vigas da madeira enquanto o navio se move.

XENA
(continua)
Gabrielle!!!!!

Não há resposta. Xena está preocupada. Ela começa a tatear seu caminho em torno do porão, procurando por algo para escalar para alcançar a escotilha. Quando ela coloca a mão na parede mais distante, algo a toca.

XENA
(continua)
Ei!

Xena se vira e tateia em volta de si, mas não há nada lá. Ela coloca suas costas contra a parede, fitando em torno dela, dentro da escuridão.

CORTA PARA:

CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - NOITE - AO MESMO TEMPO

Gabrielle tem um pedaço de viga quebrada em suas mãos, e ela está tentando usá-lo como alavanca para abrir a escotilha. A madeira se quebra sob seu peso, e ela cai esparramada sobre ela. Desgostosa e com raiva, ela arremessa a madeira quebrada para longe de si. A madeira atinge o parapeito, e cai ao mar ao som de um imenso estrondo de trovão.

GABRIELLE
Droga!


Gabrielle tenta espiar entre as ripas, mas não consegue ver nada lá dentro. Ela puxa em sentido contrário a madeira, com um pequeno efeito; as ripas não são grandes o suficientes para ela passar suas mãos para dentro e conseguir uma boa pegada.

GABRIELLE
(continua)
Xena!!

Não há resposta, mesmo embora ela pressione sua orelha na madeira para ouvir. Gabrielle se levanta e olha em volta, depois parte adiante, arrastando a si mesma ao longo do parapeito enquanto o navio se lança para cima e para baixo.

GABRIELLE
(continua)
Navios. Odeio navios. Da próxima vez, Xena,
outra pessoa pode ir ser o herói e
você e eu vamos ficar em
terra seca e celebrar.

Gabrielle vem se equilibrar com o mastro e pára, quando vê uma figura sombria parada perto dele.

GABRIELLE
(continua)
Ei! Olá! Olá? Quem está aí?

A figura não responde. Ela meramente fica parada ali, fitando Gabrielle.

GABRIELLE
(continua)
Quem é você?

O navio se lança para um lado e Gabrielle é jogada contra o parapeito. Quando ela recupera o equilíbrio e olha para trás, o local onde estava o vulto agora está vazio.

GABRIELLE
(continua)
Oh!

Enquanto Gabrielle observa, o vulto lentamente se forma novamente, acenando para ela.

CORTA PARA:

CENA INT. PORÃO DO NAVIO - NOITE - AO MESMO TEMPO

Xena margeia se empurrando pouco a pouco em volta do porão, tateando em torno dela, procurando por algo para usar para sair dali. Ela encontra um remo, o levanta, mas ele é curto demais. Ela joga o remo fora.

O remo cai ruidosamente, retinindo até parar. Xena caminha passando por ele, depois gira quando o remo pula na direção dela quando o navio se joga violentamente. Ela evade o remo, mas tropeça contra algo grande.

Xena recupera o equilíbrio, e tateia em volta, procurando pelo que foi que ela atingiu, mas ele se foi.

XENA
Quem está aí?


Xena continua parada, apenas seus olhos varrendo o porão. Um vulto parece cruzar na frente dela. Ela estende uma mão para pegá-lo, mas não há nada ali.

XENA
(continua)
Estou perdendo a paciência,
quem quer que você seja.

Xena começa a tatear em volta, procurando por algo que possa usar como arma. Ela encontra o remo novamente e avalia o peso dele. Uma sombra roça suas costas e ela se vira, passando o remo diante de si, mas sem atingir nada, e simplesmente volta para o lado dela.

Os olhos de Xena se estreitam.

Um sussurro faz-se ouvir.

VOZ
(murmurando de maneira ininteligível)
Ahhhh....

Xena se vira lentamente, tentando localizar o som.

XENA
Eu ouço você.

Um vulto se move do outro lado do porão. Xena o vê, mas não consegue distinguir nenhuma característica. O vulto se aproxima.

VOZ
Xeeeennnaaa....

Xena fica bastante imóvel. Seu rosto está congelado, em choque.

XENA
S... Solan?


CORTA PARA:

CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - NOITE - SIMULTANEAMENTE

Gabrielle se puxa do parapeito e se arremete ao mastro. Quando ela chega lá, o vulto se foi. Ela se balança em torno do mastro para o outro lado, e fica frente a frente com o vulto.

O vulto ergue a mão, e a estende a ela. Gabrielle hesita, depois passa a responder e a toma.

Relâmpagos cintilam, e ela descobre a si mesma olhando para um reflexo obscuro de uma pessoa que ela um dia já foi. A figura tem cabelo loiro e comprido, e está usando seus antigos trajes de Amazona, mas ele está rasgado e esfarrapado, e o rosto da figura está deformado e zombeteiro.

Gabrielle está atordoada a ponto de quase ficar sem fala. Ela deixa a mão cair para o lado.

GABRIELLE
Você.

A figura caminha adiante na direção dela.

ESPERANÇA
Olá, mamãe. É tão
bom te ver de novo.


CORTA PARA:

CENA INT. PORÃO DO NAVIO - CONTINUANDO

Xena lentamente se move na direção do vulto. A luz entra pelas tábuas da escotilha e pinta listras pelo rosto dele. É Solan, mas seus olhos são buracos vazios, e ele está vestido em trapos.

Xena está chocada.

XENA
Solan.... O que você está fazendo aqui?

Solan a encara e vem adiante.

SOLAN
O que estou fazendo aqui? Onde mais eu deveria
estar? Você realmente achou que eu iria me
sentar pacificamente nos Campos Elísios?

Xena dá um hesitante passo à frente. Ela está incerta de como reagir. Sua mão se levanta para alcançar Solan, depois se deixa cair.

XENA
Mas você estava nos Campos. Eu vi você.

Solan ri. Não é um som agradável. Ele se aproxima de Xena.

SOLAN
Eu estava. Até você me trair.

XENA
Trair você? Solan, eu nunca...

SOLAN
Você sim.

Da escuridão em torno deles, um lento sussurro se levanta. As palavras não são distinguíveis, mas soam como insetos rastejando. Xena o ouve. Suas mãos se apertam e depois relaxam.

Solan chega bem perto dela.

XENA
Mas eu não t...

SOLAN
Você não traiu? Ela causou minha
morte, e você a ama. Como
você pôde fazer isso, mãe?

Xena olha fixo para ele.

XENA
Do que você está falando?
Esperança? Eu nunca a amei!
Os deuses sabem que eu quase...

Solan ergue a mão. Xena pára de falar.

SOLAN
Gabrielle.

Solan se aproxima. Ele estende a mão e toca o braço de Xena.

XENA
Gabrielle? Ela não c...


SOLAN
Ela causou. Você sabe disso, mãe.
Ela mentiu para você... Ela traiu
você... e eu morri por causa disso.
(suavemente)
Como você pôde?

XENA
Não…

Solan acaricia o antebraço de Xena, depois fecha seus dedos em torno dele.

SOLAN
Por que, mãe? Como você pôde
destruir minha memória assim?

Xena se afasta para trás.

XENA
Mas no mundo dos sonhos, você disse...

SOLAN
Aquilo foi naquela época.
(pausa)
Eu sei tanto mais da morte
agora. Eu conheço melhor.


Solan se aproxima de Xena novamente, andando silenciosamente à espreita dela.

CORTA PARA:

CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - CONTINUANDO

Gabrielle tem suas costas contra o mastro. Ela está observando Esperança atentamente enquanto Esperança a circula.

ESPERANÇA
Você com certeza mudou. Desistiu
daquela coisa patética de dar
uma chance à paz, né?


A mão de Gabrielle se flexiona como se ela quisesse agarrar seu sai.

GABRIELLE
Você também. Imagino que Dahak levou
embora seu confortável palácio, não?

Os olhos de Esperança se estreitam, mas ela continua circulando Gabrielle.

ESPERANÇA
Ninguém nunca disse que o lado
negro era fácil. Mas você
podia ter mudado isso.

GABRIELLE
Nós duas sabemos que não é verdade.

Esperança pára, e se aproxima. Ela fita Gabrielle direto no olho.

ESPERANÇA
Você apenas deseja que não fosse.
(apontando)
Você podia ter me mudado. Você podia
ter feito a diferença. Você sabe disso
dentro desse seu coração torcido.

GABRIELLE
Não.

ESPERANÇA
Mas você sempre tinha que escolher
a Xena, não tinha? Nunca a mim.

Gabrielle se afasta do mastro. Ela agora circula Esperança, mas cuidadosamente mantém sua distância. As nuvens de tempestade estão ainda rolando sobre suas cabeças, mas parou de chover no navio, embora a chuva caia no oceano todo em torno dela.

GABRIELLE
Bem...

ESPERANÇA
Bem, mamãe?

Esperança fica parada imóvel, apenas com sua cabeça girando enquanto ela observa Gabrielle circulando-a. Sua expressão é de zombaria.

GABRIELLE
Eu lhe dei sua melhor
chance, Esperança.

Esperança dá risada.

GABRIELLE
(continua)
Duas vezes. Foi você quem escolheu Dahak
em vez de mim. Você quem escolheu o ódio
em vez do amor. Sua escolha, Esperança.
Não minha. Estamos quites.


ESPERANÇA
Você gosta de dizer isso
para si mesma, não gosta?

Esperança se aproxima de Gabrielle, forçando-a a ir para trás.

ESPERANÇA
(continua)
Eu era um bebê quando você me jogou naquele
cesto... Dahak me encontrou. Quem era de
se esperar que eu escolhesse, mamãe?
Hum? Você poderia ter me levado
embora, e me criado, e tudo
teria sido diferente!

GABRIELLE
Não!

ESPERANÇA
Sim! Mas não. Você tinha
que ficar com a Xena.

Gabrielle dá outro passo para trás, e se descobre contra o mastro.

ESPERANÇA
(continua)
Sempre foi a Xena primeiro.
(pausa)
Antes de qualquer outra pessoa.

Vultos começam a se formar atrás de Esperança. Gabrielle se pressiona contra o mastro.

ESPERANÇA
(continua)
Antes de nós todos.


CORTA PARA:

CENA INT. PORÃO DO NAVIO - CONTINUANDO

Xena caminha para trás, se afastando de Solan. Seus gestos são hesitantes, e ela está visivelmente insegura.

XENA
Isso... Não é bem assim, Solan.

Solan a segue, sua aparência cada vez mais esquelética de olhos fundos. Atrás dele, mais vultos começam a tomar forma, se tornando visíveis com pontos agudos de luz onde seus olhos estão. Todos estão olhando fixo para Xena.

XENA
(continua)
Ouça-me...

O sussurro se torna mais alto, abafando sua voz.

SOLAN
É bem assim, mãe.
Por que você tem que mentir?

VULTO
Ela sempre mente.
Sempre mentiu.

Xena olha além da forma de Solan dentro da escuridão. Seus olhos se alargam de horror.

XENA
Mãe?

Cyrene forma uma das sombras. A morte não tem sido gentil com ela. Ela aparece do jeito que ela deve ter morrido, no fogo. É horrendo.

CYRENE
Ela nunca nos amou. Nenhum de nós.
Sempre só lhe importava
aquilo que ela queria.

Xena coloca suas costas contra a parede do porão. O remo jaz esquecido a seu lado. Seus olhos estão arregalados e fixos.

CYRENE
(continua)
Ao menos a sua morte
foi rápida, Solan.

Cyrene olha fixo para Xena.

CYRENE
(continua)
Ao contrário da minha.

XENA
Mãe, espera.


O vulto começa a se aproximar de Xena.

CYRENE
Eu já parei de esperar. Eu fui queimada
por tanto tempo por sua causa.

XENA
Não. Fique aí. Para trás.

Xena pega o remo, e o segura à sua frente.


CORTA PARA:

CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - NOITE - CONTINUANDO

Gabrielle se afasta do mastro e tenta passar por Esperança. Mas o resto dos vultos se levanta e a seguram ali, e ela retrocede novamente.

GABRIELLE
Esperança, não banque a inocente comigo.
Eu te dei tudo o que eu tinha.

ESPERANÇA
Você me deu um cobertor e uma
estúpida ovelha de madeira.

Esperança agarra o braço de Gabrielle e a empurra de costas contra o mastro.

ESPERANÇA
(continua)
E você tomou de volta o cobertor. E queimou
a pequena última peça dele também, não?
Imaginou que isso aliviaria a sua consciência
para que você pudesse dormir com
Xena e não sonhar com isso?

Gabrielle se sacode para se soltar de Esperança.

GABRIELLE
Fique longe de mim.


ESPERANÇA
A verdade é um saco, né, mamãe?
Mas então, você sempre deixou
todos desamparados, por ela.

Os vultos sussurram.

VULTO
Deixou-nos sem um pensamento.
Deixou-nos morrer.

Os olhos de Gabrielle se alargam. Ela se afasta da voz. Fora das sombras, seus pais aparecem.

VULTO
(continua)
Nem sequer esperou que
meu túmulo esfriasse.

Pérdigas aparece. Gabrielle dá outro passo para trás.

ESPERANÇA
(sorrindo afetadamente)
Você acha que eu fui a única com
reclamações, mamãe? Xena te levou
por um muito, muito longo e feio caminho.

Os vultos lentamente se movem na direção de Gabrielle.

ESPERANÇA
(continua)
E agora é hora de revidar.


O céu se ilumina com relâmpagos. Gabrielle é rodeada pelos vultos.

Eles começam a se aproximar dela.

FADE OUT.

FIM DO TERCEIRO ATO

Ecos - Segundo Ato

CENA EXT. NAVIO VIRADO - NOITE

A tempestade empurra o navio emborcado enquanto o navio maior se atira contra ele. A maré está alta, e Xena e Gabrielle não estão à vista.

Um relâmpago cintila.

Xena repentinamente irrompe da água, se arremessando para cima do casco emborcado do navio delas. Ela se vira imediatamente e arrasta as mãos à volta, procurando na água, ansiosamente.


XENA
Gabrielle!!!

Tudo o que Xena pode ver são ondas. Ela procura pelo outro lado do barco, balançando precariamente na madeira inclinada.

XENA
(continua)
GABRIELLE!!!!!

Um relâmpago rutila novamente, iluminando o contorno do rosto de Xena. Seus olhos estão arregalados e ela está respirando muito duramente.

XENA
(continua)
Nãão!!!!!

Algo rompe a superfície. É uma mão. Sem hesitar, Xena mergulha de volta dentro d'água. As ondas a erguem e a atiram contra o barco, mas ela agarra a mão e puxa Gabrielle para cima, para fora da água. Gabrielle vem à tona tossindo.

GABRIELLE
Guah!

Gabrielle tosse soltando um pulmão cheio de água.

Xena se agarra no barco virado, e começa a arrastar a ambas para cima dele. As ondas quase as emborcam novamente.

XENA
Segure-se!

Gabrielle coloca os braços em volta de Xena, agarrando com extrema força.

GABRIELLE
Não se preocupe com isso!

Xena se segura em um pedaço quebrado de madeira assim que o barco se inclina e rola, trazendo ambas para cima, para fora da água e na quilha da embarcação virada.

XENA
Tudo bem com você?


Gabrielle tosse soltando outro pulmão cheio de água.

GABRIELLE
Formidável. E você?

Xena apresenta um longo e sangrento corte fundo e uma lasca em um braço.

XENA
Fabuloso.

Xena e Gabrielle giram e se separam, prendendo a respiração enquanto as ondas diminuem a marcha brevemente. Gabrielle se levanta nas mãos e joelhos e rasteja até Xena. Ela está arrastando um pedaço de corda.

GABRIELLE
Aqui.

Gabrielle joga a corda sobre Xena.

GABRIELLE
(continua)
A única coisa útil que encontrei nessa banheira.
Uma droga que eu ia perder isso.


Xena se senta acima e começa a enrolar a corda, enquanto a tempestade se intensifica novamente. Em uma rajada de relâmpago, o mar parece se expandir em volta delas como colinas, as ondas as erguendo, depois deixando-as cair.

Xena olha para cima a tempo de ver o navio maior sendo pego pela próxima onda, alcançando o cume da onda e depois começando a deslizar para baixo.

XENA
Nós podíamos... Cuidado!

O barco maior sobrevém nelas novamente, quase como se estivesse tentando esmagá-las. Xena agarra Gabrielle e elas se arrastam com dificuldade para cima, ficando de pé.

A quilha emborcada em que elas estavam paradas começa a girar, e elas tem que se subir rapidamente para evitar cair dela.

GABRIELLE
Aughh!!! Cuidado!

Xena vê a verga* da frente do navio se dirigir direto para ela. Ela rapidamente faz um laço na corda e a atira enquanto os dois cascos colidem novamente, e aquele onde elas estão se reparte e começa a afundar. * barra que atravessa o mastro, onde se prende a vela (NT).

Gabrielle pula nos braços de Xena enquanto o navio desaparece entre as ondas, e elas balançam na direção do navio maior. A chuva torna isso quase impossível de enxergar.

XENA
Quando ele subir, jogue o
seu peso naquela direção!

GABRIELLE
Claro! Como se eu tivesse escolha!!!


As ondas rolam, o navio inclina, e Xena e Gabrielle balançam a si mesmas sobre a amurada, aterrissando no convés do navio com um estrondo.

A chuva varre sobre elas em uma onda, e o trovão gira por sobre elas como se o céu estivesse dando risada.

Xena ergue a cabeça e fita as nuvens.

CORTA PARA:

CENA EXT. VELHO NAVIO - CONVÉS - NOITE

A chuva afrouxou um pouco. Xena e Gabrielle estão sentadas no convés, fazendo uma avaliação de si mesmas e de suas novas circunstâncias.

Gabrielle se senta contra um painel de madeira. Ela perdeu uma bota, mas de alguma forma reteve ambos os sais. Um está fixado no convés. O outro está em sua bainha na bota remanescente.

Xena está esfregando os olhos para limpar o sal. Ela fita o corte em seu braço e o ergue na chuva para lavar o sangue.

GABRIELLE
Caramba.
(olhando em volta)
Fico feliz que este esteja em melhor
forma do que o nosso estava.

Xena também esteve dando uma olhada em volta.

XENA
(severamente)
Exceto pelo problema maior.


GABRIELLE
Qual?

Xena se levanta e puxa seu caminho ao longo do convés, mão a mão.

XENA
Não há ninguém nele. Veja o que você
consegue descobrir aqui em cima.
Eu vou verificar perto da popa.

Gabrielle esfrega cabelo ensopado para fora de seus olhos e espia em volta do ar nebuloso. O convés parece abandonado e gasto. Não há sinal de qualquer atividade humana.

GABRIELLE
Que ótimo.

Gabrielle se levanta e começa a investigar a frente do navio. Ela encontra um suporte de ferro na ponta da proa, há muito quebrado e corroído pelo sal. Ela o toca com uma expressão pensativa.

GABRIELLE
(continua)
Nada foi pendurado nisso há
algum tempo, isso é certeza.

Gabrielle continua a procurar. Ela encontra um imenso gancho de ferro amarrado com corda ao convés. Sua ponta parece estar coberta com alguma substância corroída. Gabrielle coloca a mão nele, depois engasga e a puxa de volta.

Sua mão está sangrando levemente. Ela olha de mais perto e encontra esporas recortadas por toda a sua superfície.

GABRIELLE
(continua)
Ui. Pra que tipo de peixe será
isso aí, eu fico pensando?


Chupando o dedo, Gabrielle continua ao longo do parapeito.

CRUZA PARA:

CENA EXT. VELHO CONVÉS DO NAVIO - PERTO DA POPA - NOITE

Xena alcança os fundos do navio. Ela examina o timão, o qual parece estar amarrado no lugar.

XENA
Teve o seu curso trancado, é?
Do que se trata isso tudo?

Xena procura as acomodações na retaguarda. Ela encontra uma cabine cujo topo parece estar muito bem fechado. Ela puxa sua espada, e coloca sua mão nele, empurrando-o com repentina força e preparando para atacar qualquer coisa que venha a emergir.

Nada emerge. Olhando em volta com um leve embaraço, Xena embainha a espada e olha para dentro.

Ela se inclina para dentro, e puxa para fora uma corda enredada e amarrada com nós que está cheia de espaçosos buracos. Xena a atira para trás e fecha o topo da cabine.

XENA
(continua)
Rede de pesca em um
navio sem pescadores.

A tempestade continua, com relâmpagos e trovões iluminando o céu acima da cabeça. Xena examina o mastro, olhando por tudo em volta e abaixo do botaló.

Gabrielle enfrenta seu caminho através da chuva até o lado de Xena.

GABRIELLE
Xena... não consigo encontrar nenhum sino.

Xena lança um olhar desgostoso para o navio.

XENA
Ou uma lanterna. Ou um capitão,
no que diz respeito ao assunto.


GABRIELLE
Este não é o navio certo, é?

Xena olha em volta do convés abandonado. Ela coloca as mãos nos quadris, movendo-se com o navio e mantendo seu equilíbrio, enquanto Gabrielle se pendura no timão para evitar de voar ao mar.

XENA
Aquele sino estava vindo
daqui. Tenho certeza disso.

Gabrielle se senta no chão, segurando firme enquanto o navio se lança nas ondas.

GABRIELLE
Certo. Você encontra o sino. Quando você o
encontrar, veja se pode achar o cara que o toca.
Talvez ele possa nos dizer o que está acontecendo.

Xena coloca as mãos no timão, e então ela olha para cima, na direção das velas. Elas estão esfarrapadas, e uma está pendurada a meio do caminho abaixo do mastro.

XENA
Ao menos este aqui não está afundando.
Teremos que amarrar aquela vela
embaixo se nós formos usá-la.

Gabrielle está se inclinando para trás contra o timão que virou encosto.

GABRIELLE
Temos escolha?


XENA
Não. A menos que você queira nadar.

GABRIELLE
Um dia igual ao outro: estando lá, faça
aquilo e tenha as rugas para provar.

Ela ergue as mãos.

GABRIELLE
(continua)
Não podemos continuar a enfrentar essa
tempestade, Xena. Nós deveríamos
simplesmente voltar ao porto.

Xena vai para o lado do navio e espia para fora, dentro da tempestade. Ela é sólida e como uma tinta preta.

GABRIELLE
(continua)
Você sabe para que
lado é o porto, certo?

Xena olha para o alto no céu, completamente coberto de nuvens.

GABRIELLE
(continua)
Xena?

Xena se vira e olha para Gabrielle. Gabrielle grunhe, e bate a cabeça contra o timão do navio. Xena vem até ela e se agacha, protegendo seu rosto da chuva com um braço.

XENA
Qual é, não é tão ruim assim.

Gabrielle olha para Xena. Ela está visivelmente verde.

GABRIELLE
Quer que eu faça ficar ruim?

Xena pressiona os pontos no pulso de Gabrielle.

XENA
Se eu conseguir consertar as velas, acho que posso
encontrar o caminho de volta para o ancoradouro.


Gabrielle solta o timão e segura o braço de Xena, retirando a lasca dele com seus dedos.

GABRIELLE
E se você não conseguir?

Ela olha para a lasca.

GABRIELLE
(continua)
Ugh. Isso é horrível.

XENA
Obrigada.
(sorrindo)
Nós iremos terminar em algum lugar. No final.
A tempestade não pode durar para sempre.

Gabrielle maneja um sorriso em retribuição. Ela dobra sua mão em volta da mão de Xena e a leva a seus lábios, beijando as costas dela.

GABRIELLE
Contanto que nós terminemos lá
juntas, estará bem para mim.

Xena se inclina e dá um rápido abraço em Gabrielle.

GABRIELLE
(continua)
Como nós terminamos nessas confusões o tempo
todo? É apenas a nossa estúpida sorte?

Xena olha em volta para a tempestade, o navio misterioso, e as duas sentadas no convés. Ela levanta ambas as mãos em um encolher de ombros.

XENA
Eu diria que são os Destinos, mas...

GABRIELLE
É. Nós precisamos encontrar uma
nova desculpa, não precisamos?

Xena bagunça o cabelo de Gabrielle.

XENA
(calorosamente)
Algo assim. Ouça, fique aqui.
Eu vou olhar embaixo daquela
escotilha bem ali. Talvez haja algo
que eu possa usar no porão.


GABRIELLE
Cuidado. Lá em cima eu encontrei
um gancho que morde.

Gabrielle ergue a mão para Xena ver.

XENA
Ter cuidado com ganchos. Entendi.

Xena se levanta e começa a caminhar na direção da escotilha no centro do convés.

GABRIELLE
Xena! Você não vai me deixar encarregada
desta coisa, vai? Você sabe que tipo
de sorte eu tenho com barcos.

Xena se vira, se segurando ao mastro enquanto o navio gira de lado a lado, e a chuva cai mais forte por um breve momento.

XENA
Se você achar que algo
está errado, apenas grite.

GABRIELLE
(preocupada)
Xena, espere...

Xena vai até a escotilha e agarra a argola presa nela. Ela puxa a escotilha, abrindo-a, e pousa a tampa de volta no convés.

XENA
Eu já volto. Tenho certeza de
que não há muito para ver.

A escotilha aberta é um denso e escuro buraco. Xena não pode ver nada dentro dela. Ela enxerga um degrau no topo, e começa a descer.

XENA
(continua)
Não que eu possa... ah!!

Gabrielle se levanta, esfregando os olhos quando parece que uma nuvem escura está emergindo da escotilha e envolvendo Xena.

GABRIELLE
Ei! Espera!


A escada sob os pés de Xena desaparece quando ela começa a se virar, ouvindo o grito de Gabrielle. Ela cai dentro da escuridão.

GABRIELLE
(continua)
Xena!!!!

Gabrielle dispara correndo para a abertura. O navio gira para um lado, e a escotilha se ergue do convés e voa se fechando, batendo no lugar assim que Gabrielle o alcança.

Gabrielle agarra a argola e a puxa com toda a sua força.

GABRIELLE
(continua)
(gritando bem alto)
ALGO ESTÁ ERRADO!!!!!!

A argola se solta na mão de Gabrielle e ela voa para trás, girando para fora de vista quando uma onda de água lava o convés e a encharca.

FADE OUT.

FIM DO SEGUNDO ATO

Ecos - Primeiro Ato

CENA INT. QUARTO DA ESTALAGEM - POUCO TEMPO DEPOIS - NOITE

O som do sino marinho está agora muito mais alto, e o som da tempestade também está muito mais alto.

Xena e Gabrielle o ignoram.

Está escuro no quarto. Enquanto o sino continua a soar, a ele se junta um sino mais próximo, obviamente dentro da cidade, soando um alarme.

XENA
(suspirando)
Sabe...

GABRIELLE
(murmurando)
Nós poderíamos simplesmente
fingir que não o ouvimos.


Há o som de sussurros, e um vago som de sucção terminando em um estalo. As folhas da janela para o quarto são arremessadas abertas, e uma luz de relâmpago revela Xena parada na janela, inclinada para fora.

Ela está nua.

XENA
Algumas espécie de problema. A
droga da cidade inteira está lá fora.

Gabrielle se junta a Xena na janela. Ela também está nua.

GABRIELLE
Eu não vejo nenhuma inundação.
Qual é o problema?

Xena olha para Gabrielle.

XENA
Acho que iremos
descobrir, hum?

Gabrielle dá um franco suspiro.

XENA
(continua)
Quanto mais cedo descobrirmos, mais cedo
consertamos, e mais cedo voltamos para cá.

GABRIELLE
É, mas nesse temporal...

XENA
Nós tomaremos outro banho de lama.

Xena bate a janela, fechando-a.

GABRIELLE(Voz em Off)
Lembre-me de pegar a
receita daquela lama.

CORTA PARA:

CENA EXT. QUADRA DA CIDADE - MINUTOS DEPOIS - NOITE

Os habitantes estão reunidos em volta do sino da cidade. Eles estão evidentemente aborrecidos. Xena e Gabrielle se juntam a eles na margem da multidão.


ESTALAJADEIRO
Meus amigos, meus amigos... Vocês
ouviram o alarme lá fora. Temos que ir!

As pessoas à volta dele estão claramente indispostas.

HOMEM
A maré está muito alta!

ESTALAJADEIRO
Nós devemos ir! Não
podemos ignorar o sino!

Xena se empurra adiante entre a multidão e termina no meio dela, com Gabrielle a seus calcanhares.

XENA
O que está acontecendo aqui?


A multidão se silencia, olhando para elas.

HOMEM
Uma forasteira! De onde você
veio? Gaddus, você escond...

O estalajadeiro empurra o homem.

ESTALAJADEIRO
Ah.... Ah, sim, sim, elas chegaram
bem ao pôr-do-sol. São hóspedes!
Minhas hóspedes. Na estalagem.

Gabrielle franze as sobrancelhas ao discurso nervoso do homem.

GABRIELLE
Mas o que está acontecendo? O que é
aquele sino que continuamos ouvindo?

A multidão se aproxima, fechando-se em torno elas. Xena e Gabrielle se viram e ficam costa a costa, sentindo que algo está errado. Xena coloca a mão no punho de sua espada.

HOMEM
O sino? O sino.
(rindo)
O sino é nossa destruição. Significa
que um navio está perdido no mar.

GABRIELLE
Isso é terrível.

MULHER
Você não sabe o que está dizendo.

Gabrielle olha para a mulher.

GABRIELLE
O quê?

ESTALAJADEIRO
(resignadamente)
Sabe, esse é o nosso dever... o nosso...
destino é responder a qualquer navio que
soa seu sino ao mar. É nossa obrigação.

XENA
Muito gentil da parte de vocês.
Então, qual é o problema?

ESTALAJADEIRO
Ah... toda nossa esquadra pesqueira está fora
para... ah... para ver, sabe, e então nós temos
um barco aqui, sabe, para entrar no
mar, mas nenhum de nós...

A multidão murmura.

XENA
Sabe navegar.


HOMEM
Exatamente.
(pausa)
Mas eu aposto que você sabe,
não é? Você parece do
tipo que saberia.

As sobrancelhas de Xena se levantam. A tempestade se intensifica. No bater das ondas ali perto, eles podem ouvir o sino do navio novamente, desta vez ele tem um som quase desesperado nele.

XENA
Talvez. Como vocês sabem que
o barco está com problemas?

GABRIELLE
Xena...

ESTALAJADEIRO
Você pode certamente ouvir o sino
por si mesma. Nenhum navio o soaria ao
menos que eles estivessem perto de afundar.

Eles ouvem o sino novamente. A multidão está ficando irrequieta, e ainda mais temerosa.

GABRIELLE
Onde está o barco? Xena pode
navegar em qualquer coisa.

Xena olha para Gabrielle, depois gira os olhos.


XENA
Claro que posso. Tudo bem, nós iremos ajudar.

A multidão parece totalmente aliviada. É uma reação estranha, e Gabrielle olha para eles mais de perto. Os homens e mulheres mais próximos parecem sentir isso, e se afastam.

HOMEM
Por aqui. Depressa.
(apontando)
Depressa.

Eles se movem na direção das docas. A multidão segue.

CORTA PARA:

CENA EXT - DOCAS DA CIDADE - NOITE

Xena e Gabrielle estão no convés de um robusto navio, com duas grandes velas e rolos de corda empilhados nele.

XENA
Parece que isso terá que se levantar...

Os homens no litoral cortam soltando-o, e empurram o navio para fora das docas. Ele começa a flutuar para o mar.

XENA
(continua)
Ei!

ESTALAJADEIRO
O sino! Ouçam!


A chuva começa a entornar mais forte. Xena se esforça para levantar as velas. Gabrielle lhe ajuda a puxá-las para cima e amarrá-las. O navio começa a se mover para longe da terra.

XENA
Sabe, Gabrielle...

Gabrielle estava amarrando toda a ponta de corda que ela conseguiu encontrar, e agora se junta a Xena perto da frente do barco. Elas protegem os olhos da tempestade.

GABRIELLE
Há algo simplesmente nada
correto lá atrás, certo?

XENA
Certo.

GABRIELLE
Talvez eles estejam apenas todos amedrontados.

Ela segura seu estômago quando o barco balança na tempestade.

GABRIELLE
(continua)
Ou talvez eles são apenas todos como eu.

Xena tomou o timão. Ela pilota para dentro do vento.

XENA
Náa.

O barco aderna para um lado. Xena agarra Gabrielle assim que ela estava para voar ao mar, e a puxa para perto.

XENA
(continua)
Você é única.

Gabrielle agarra o timão para se manter estável. Ela espia para dentro da chuva.

GABRIELLE
Xena, como nós pretendemos encontrar
esse navio quando nós não podemos nem
mesmo ver a frente do nosso próprio barco?


O barco se lança para cima e para baixo, ainda mais violentamente.

XENA
É melhor você ir lá pra baixo.
Isso vai ficar muito feio.

Gabrielle segura mais firme no timão.

GABRIELLE
É isso ou vomitar meus bolinhos. Eu
fico com isso. Quer subir lá na frente?

Xena deixa o timão nas mãos de Gabrielle e luta pelo caminho adiante, desaparecendo dentro da densa chuva da noite.

GABRIELLE
(continua)
(em voz baixa)
O bem maior, Gabrielle.
O bem maior.

CORTA PARA:

CENA EXT. NAVIO - NOITE - PROA

Xena está parada na proa, segurando firme no parapeito do navio. Ela se inclina para frente, vendo algo na tempestade.

XENA
(gritando)
Bem ali! Dirija para estibordo!


CORTA PARA:

CENA EXT. NAVIO - NOITE - TIMÃO

GABRIELLE
Estibordo? Onde em Hades
ela está vendo algum estio?
(gritando)
Xena! Esquerda ou direita?!?


CORTA PARA:

CENA EXT. NAVIO - NOITE - PROA

Xena ouve o sino, agora mais alto.

XENA
Direita!

CORTA PARA:

CENA EXT. NAVIO - NOITE - TIMÃO

Gabrielle vira o timão, se abaixando quando o botaló* da vela vem por sobre sua cabeça. Xena desliza abaixo dele ao último décimo de segundo, e se junta a Gabrielle.
* botaló = de bota (testa da popa da vela) a ló (borda da proa da vela) = haste que sai pela popa para colher o cabo da vela. (N.T.)

XENA
Eu vi uma lanterna. Bem ali.
(apontando)
Deve ser o navio.

Gabrielle se estica, esforçando-se para ver através da chuva. Ela balança a cabeça depois de um momento.

GABRIELLE
Se você diz. Toma aqui. Você fica com isso.
Eu verei o que nós podemos usar para ajudá-los.

Xena toma o timão. Gabrielle começa a procurar em volta do navio, se segurando enquanto a tempestade as lança para cima e para baixo. A chuva lava o convés, e o trovão soa quase continuamente.

Relâmpagos cintilam.

XENA
Ali! Veja!

Gabrielle levanta um rolo de corda, depois fita não o que Xena encontrou, mas a seus próprios pés.

GABRIELLE
Xena!

XENA
Ali está! Gabrielle!

Gabrielle se vira e é lançada pelo convés, colidindo com Xena. Outro lampejo de relâmpago ilumina o mar, revelando um imenso navio diretamente à frente delas, com velas esfarrapadas.

GABRIELLE
Xena, o navio tem um rombo!

XENA
Aquele? Claro que tem!

GABRIELLE
ESTE navio!
(apontando)
E não há nada aqui além
de alguma corda velha!

Xena começa a ir olhar, depois repentinamente o navio se lança para cima, e se vira diretamente para a embarcação maior, com as velas se rasgando no vento feroz que se ergueu repentinamente.

XENA
Segure-se! Gabrielle!
Gabrielle!!!!!


Gabrielle agarra o timão, e o braço de Xena, assim que o mar levanta o barco em uma onda gigante e a envia descendo para ir colidir bem em cima delas.


GABRIELLE
Xena!!!!!!!!!

FADE OUT.

FIM DO PRIMEIRO ATO

Ecos - Prólogo

CENA EXT. ESTRADA MUITO EMPOEIRADA - FINAL DA TARDE

É uma noite escura e ameaçando ser tempestuosa. Xena e Gabrielle estão caminhando outra vez subindo por uma extensa série de acidentadas pistas de carroça ao fim de ainda outra longa série de dias intermináveis.

Xena chuta uma pedra na frente dela. Gabrielle está praticando malabarismo, usando três pequenas pinhas. Argo II anda a passo lento bem atrás delas.

GABRIELLE
Quer tentar fazer uma
casa de árvore esta noite?

Xena chuta a pedra ainda mais à frente.

XENA
Casa de árvore?

GABRIELLE
É, você sabe, como vimos aqueles
macacos fazerem daquela vez. É
só algo diferente pra variar.


XENA
Você está dizendo que meus
acampamentos são chatos?

Gabrielle continua fazendo malabarismo, em silêncio.

XENA
(continua)
Gabrielle?

Gabrielle atira uma pinha para Xena. Xena a apanha, depois a arremessa de volta. Elas começam a fazer malabarismo entre elas.

GABRIELLE
É você quem vive dizendo
que precisa de variedade.

Xena coleta todas as três pinhas. Ela as atira por sobre a cabeça para dentro da floresta, e se junta a Gabrielle no centro da estrada.

XENA
Que tal nós brincarmos de macaco
algum outro dia? Há uma cidade à
beira-mar bem acima desta estrada.

Ela pára e olha para o céu.

XENA
(continua)
Com estas nuvens, eu iria preferir
estar debaixo de um teto.

Gabrielle se apruma.

GABRIELLE
É. Eu realmente preferiria algo
mais macio do que... hum....

Xena passa o braço por sobre os ombros de Gabrielle.

XENA
Do que?

Gabrielle dá tapinhas em várias partes da anatomia de Xena, que começa a assobiar.

GABRIELLE
Ei, você jogou fora
minhas pinhas.

XENA
Achei que você já tivesse
terminado de usá-las.

Gabrielle franze as sobrancelhas.

GABRIELLE
Ei, estou compreendendo o quê da coisa.
Acho que passar um tempo no seu
corpo tirou isso de mim.

XENA
Hum. Ainda não consegue
pressentir a chuva, né?


Gabrielle faz uma careta.

GABRIELLE
Essa parte de estar no
seu corpo eu não perdi.

XENA
(fazendo-se de insultada)
Ah hah. Você perdeu alguma parte?

Gabrielle olha para Xena, depois sorri maliciosamente.

CORTA PARA:

CENA EXT. SOSSEGADA E INDESCRITÍVEL CIDADE À BEIRA-MAR - PÔR-DO-SOL

O céu está agora cheio de nuvens de tempestade, quase obscurecendo o pôr-do-sol. Porém, isso produz um lindo visual sobre a água. Gabrielle observa enquanto elas caminham na direção da entrada da cidade.

GABRIELLE
Não é lindo?


XENA
Não para um marinheiro.

Gabrielle pára. Xena vem parar ao lado dela. O vento aumenta, e sopra seus cabelos para trás enquanto elas observam o sol colorindo as ondas de carmim.

GABRIELLE
Então estou feliz de não ser um marinheiro.

Xena segura no ombro de Gabrielle. Elas se viram e caminham na direção dos portões. O lugar parece bastante deserto. Uma galinha corre pela estrada na frente delas, e várias gaivotas giram sobre suas cabeças.

XENA
Que quieto.

GABRIELLE
É.

Há pequenas cabanas espalhadas pelo vilarejo. Redes de pesca estão penduradas para secar na frente de muitas delas, mas outras parecem vazias e abandonadas. Um mercado vazio fica de frente para a água, com apenas um par de caixas e um feixe de palha esquecido dentro dele.

Os cascos de Argo II soam muito alto na estrada empoeirada.

Perto da beira da cidade, há uma pequena construção, de um único andar, mas com vários aposentos fixados a ângulos indefinidos em direções diferentes. Uma porta se abre na frente e um homem se lança para fora, avistando-as e correndo na direção delas.

XENA
Você acha que isso é um bom sinal?

GABRIELLE
Imagino que iremos descobrir.

O homem as alcança.

HOMEM
Bem-vindas, viajantes! Bem-vindas!

GABRIELLE
(à parte)
Até agora muito bom.


XENA
Obrigada. Estamos procurando
um lugar para ficar por...

HOMEM
Um quarto? Um quarto para a noite? Oh, sim!
Sim, nós temos um! Nós temos vários...
Temos grandes e um pequeno. Não
querem vir comigo? Tenho certeza que nós
podemos deixar vocês muito, muito confortáveis!

Xena e Gabrielle trocam olhares.

GABRIELLE
Claro. Parece ótimo. Obrigada!

O homem as leva na direção do prédio térreo, se virando a cada alguns passos para observá-las seguindo-o, sua expressão é quase ansiosa.

CORTA PARA:

CENA INT. ESTALAGEM DA CIDADE - NOITE

O trovão ressoa sobre suas cabeças, sacudindo as paredes um pouco. Xena e Gabrielle relaxam a uma mesa, a única mesa ocupada na estalagem inteira. Elas têm o lugar todo para elas.

GABRIELLE
Está... hum....

XENA
Quieto.

GABRIELLE
É.

XENA
Eu gosto disso.

Xena toma um gole de sua caneca. O estalajadeiro entra e corre até elas.

ESTALAJADEIRO
Bem, bem, tudo está certo?

GABRIELLE
Simplesmente ótimo. Você disse
algo sobre um quarto?

ESTALAJADEIRO
Sim! Oh, sim. Eu tenho um maravilhoso,
um lindo quarto para vocês.
(pausa)
E.... e....

XENA
Sim?

O estalajadeiro parece um pouco nervoso enquanto ouve a chuva.

ESTALAJADEIRO
Uma vez que vocês são minhas primeiras clientes desta
noite, eu tenho uma proposta especial para vocês.

Xena espia o aposento vazio, depois olha para o estalajadeiro ceticamente.

XENA
Primeiras clientes? Únicas
clientes, eu aposto.


GABRIELLE
Shhi, Xena.
(para o estalajadeiro)
Qual a proposta?

ESTALAJADEIRO
Nosso famoso banho de lama
termal! Vou colocar de graça!

Xena e Gabrielle olham uma para a outra.

GABRIELLE
Banho de lama?

XENA
Você cobra por um banho de lama?
Eu posso ir lá fora e tomar uma
dúzia deles, sem pagar nada.

O estalajadeiro ri nervosamente.

ESTALAJADEIRO
Não não... Esta é uma lama especial.
Faz muito bem para a derme!

Ele olha de Gabrielle para Xena.

ESTALAJADEIRO
(continua)
Realça a sua beleza, entende?
Vamos lá. É uma coisa muito boa!

Xena coça a linha do queixo.

GABRIELLE
(examinando Xena)
Você tem uma derme?

As sobrancelhas de Xena saltam para cima.

XENA
Que Hades. Eu vou experimentar qualquer coisa.

Ela fita uma maliciosamente sorridente Gabrielle.

XENA
(continua)
Ou quase.

ESTALAJADEIRO
Eu vou preparar tudo!
Você não vai se arrepender!

O estalajadeiro parte. Xena e Gabrielle terminam a leve refeição na mesa diante delas. A quietude do aposento é quase opressiva. Apenas o ritmo da chuva a interrompe.

GABRIELLE
Este lugar não te
dá arrepios?


Xena dá de ombros.

XENA
E o que é que nos dá arrepios?

Gabrielle morde uma maçã, pensativa.

GABRIELLE
Hunf.

Ela oferece a maçã para Xena.

GABRIELLE
(continua)
Qufrr proffar?

Xena se inclina e dá uma mordida.

CORTA PARA:

CENA INT. QUARTO DA ESTALAGEM - NOITE

O trovão agora realmente sacode o prédio. As velas tremem. As folhas de madeira da janela batem contra as paredes.

O quarto é grande, relativamente plano, e tem uma imensa banheira no centro dele. Dentro da banheira, Xena está sentada, enterrada até o pescoço na lama. A expressão em seu rosto diz tudo.

Gabrielle entra. Ela circula a banheira duas vezes, depois se inclina nela.

GABRIELLE
Sabe, Xena...


XENA
Não diga nada. Nem pense
nisso. Ou em outra coisa.

Gabrielle tira um dedo cheio de lama e a examina.

GABRIELLE
Isso na verdade não é mesmo lama.
É mais como um...

XENA
Pudim.

GABRIELLE
É.

XENA
Já chega. Estou fora disso.

Xena sai da banheira. Ela está coberta da cabeça aos pés no gelatinoso barro. Ela sai da banheira fazendo um som de sucção e balança o pé se livrando de vários globos de lama.

XENA
(continua)
Ótimo. Simplesmente ótimo.


Gabrielle está tentando reprimir uma risada. Xena esfrega a costa da mão pelo rosto, ficando com lama nos lábios.

XENA
(continua)
Bah… pfft.... ahm?

Xena lambe os lábios. Sua expressão se altera. Gabrielle se aproxima dela curiosamente.

GABRIELLE
O quê?

XENA
Hum. Isso não é nada mal.

Gabrielle toca levemente em um pouco de lama da pele de Xena e a cheira. Cuidadosamente, ela prova o gosto. Intrigada, ela cutuca Xena levando-a na direção da cama.

GABRIELLE
E está por você toda.


XENA
É. Eu terei que ir lá fora
na chuva para tirar isso.

Gabrielle começa a sorrir.

GABRIELLE
Isso é... Doce.
(pausa)
Acho que eu gosto.

Lentamente, Gabrielle empurra Xena para baixo, na cama, depois escala para cima e monta de pernas abertas sobre Xena quando ela se deita estirada de costas.

XENA
O que você está fazendo?

Gabrielle deixa cair sua camisa de dormir e meneia os dedos, com um sorriso diabólico em seu rosto.

GABRIELLE
Pegando minha sobremesa.


A tempestade se intensifica lá fora. Bem longe, ouve-se o som de um sino marinho, mas seu tom é é praticamente apagado por um ribombo de trovão. Xena se estica e apaga a vela, sorrindo enquanto Gabrielle se inclina sobre ela.


Na escuridão, o sino soa novamente.

FADE OUT.

FIM DO PRÓLOGO

Em Sseus Olhos - Quarto Ato

CENA EXT. ACADEMIA - MANHÃ

Xena e Gabrielle fazem seu caminho desapercebidas saindo da vila de Twickenham e começando a ir na direção do centro da cidade. Na distância, elas podem ver e ouvir um palco sendo erguido perto do chafariz principal.

Gabrielle localiza Homero parado alto entre um grupo de seus camaradas, muitos dos quais ela reconhece dos seus próprios dias de Academia, incluindo Twickenham, e um outro. Seu rosto se ilumina em um sorriso.

GABRIELLE
Aquele é Eurípides! Pelos deuses,
eu não pensei nele por anos! Ele
contava as histórias mais terríveis!

XENA
(resmungando)
Elas não estão muito melhores agora.

‘Gabrielle’ se vira de olhos alargados para sua parceira.

GABRIELLE
Espera aí. Você o conhece?


XENA
Vamos apenas dizer que nós trocamos umas palavras.
(pausa)
E se a voz dele estiver mais aguda
do que você se lembra....

Parando, ‘Gabrielle’ coloca uma mão no pulso de ‘Xena’, também fazendo-a parar.

GABRIELLE
Você não fez....

XENA
Oh, muito certamente que fiz.

GABRIELLE
Quando? Onde?? Por quê???

XENA
(sucintamente)
Noite passada. Na recepção. Porque
ele tinha coisas um tanto menos
lisonjeiras a dizer sobre você.

Gabrielle parece bastante confusa.

GABRIELLE
Tem certeza de que estamos
falando do mesmo Eurípides?

XENA
Se você está falando sobre o homem
bem ali praticamente todo drapejado
sobre Homero, então sim, nós estamos
falando sobre o mesmo Eurípides.


GABRIELLE
Mas isso é.... Por que ele estava na
festa? Isso não faz nenhum sentido.

Xena dá de ombros.

XENA
Talvez ele não tenha conseguido entrar como
bardo. Decidiu se insinuar com os ricos
mercadores em vez disso.

GABRIELLE
Não, Xena. Ele não é desse jeito. Ele é....

XENA
Já se passaram trinta anos, Gabrielle. É
aquela coisa de 'o tempo muda as pessoas'.
Mesmo as pessoas que você achava que conhecia.

Balançando a cabeça, ‘Gabrielle’ olha para o homem em questão, que aparenta estar se divertindo com Homero e seus compatriotas.

GABRIELLE
Não. Não Eurípides. Não acredito nisso.
Deve ter havido alguma outra razão de
ele estar naquela festa à noite passada.

Um leve sorriso surge em seu rosto.

GABRIELLE
(continua)
Eu aposto que ele estava lá pela mesma razão
de nós estarmos. Para descobrir o que estava
acontecendo e como parar isso, se ele pudesse.
Ele provavelmente se insinuou àqueles homens
para que pudesse espioná-los para Homero.

O rosto pode ser o de Gabrielle, mas o olhar de dúvida é todo a Xena. Vendo isso, o sorriso de Gabrielle se desvanece.

GABRIELLE
(continua)
Ao menos admita que essa é uma possibilidade.


Xena suspira, depois assente. O sorriso de Gabrielle volta.

XENA
Nós temos algumas próximas horas para confirmar
ou negar isso, então eu sugiro que continuemos.

GABRIELLE
Tudo bem. Vamos.... Ô-ou.

Xena olha para cima a tempo de ver o grupo inteiro de Homero se virar na direção delas, sorrindo e ondeando os braços em idênticos gestos de aceno.

HOMERO
Gabrielle!

TWICKENHAM
Gabrielle! Nós estamos indo à vila de
Stallonus para nos prepararmos para
esta noite! Venha conosco!

GABRIELLE
(sussurrando)
E agora?

Xena olha para os homens que esperam. É óbvio que eles não vão levar um 'vão pro Tártaros' como resposta.

XENA
Continue como nós planejamos. Vá até a
Academia e dê uma bisbilhotada. Eu
vou manter um olho no resto deles
e ver o que posso descobrir.

GABRIELLE
Ok. Encontro você atrás do
palco mais tarde, certo?

Xena assente.

GABRIELLE
(continua)
E, Xena? Não é que eu me importe da
minha reputação ser manchada, mas.... eu
realmente não acho que Atenas está pronta para
“Havia uma vez um homem de Arênis....”


Dando à sua parceira o mais destruidor dos olhares, Xena alonga seus passos largos, e logo está dentro do alcance dos velhos amigos de Gabrielle. Enquanto observa sua parceira habilmente evitar as mãos romanas e os dedos russos dos homens que a admiram, Gabrielle envia uma silenciosa prece de que aqueles mesmos homens viverão para ver a cerimônia com a maioria de seus membros intactos.

CORTA PARA:

CENA INT. ACADEMIA - DE TARDE

Gabrielle está caminhando na direção dos escritórios da administração. Ela está observando a multidão já reunida para a cerimônia e ela sabe que, na hora em que essa realmente começar, haverá muito pouco espaço para se manobrar entre a multidão.

Deslizando para dentro do setor principal da academia, que abrange todos os escritórios de administração e também a biblioteca, ela está aliviada de encontrá-lo pela maior parte deserto. Há alguns estudantes movendo-se confusamente à volta, mas eles não parecem estar muito interessados em nada, incluindo ela.

Ela tira um momento para ler uma placa na parede, que a direciona ao segundo andar e ao escritório do Chanceler.

GABRIELLE
É como tirar o doce de uma criança.

Olhando em volta para se certificar de que ninguém está à volta, Gabrielle sobe os degraus. Acima deles, ela descobre que o corredor está trancado por um grande portão.

GABRIELLE
(continua)
De uma criança birrenta.

Olhando para o portão, o qual vai do teto ao chão, ela considera seu próximo movimento. Ela se inclina para baixo e examina a tranca, coçando o queixo; um sorriso lentamente surge pelo seu rosto. Pegando a adaga de seu corpete, ela a coloca entre a tranca e o portão. Esforços para abrir a tranca usando tal alavanca estão provando não terem muito êxito.

GABRIELLE
(continua)
Eu deveria ter ouvido Autolycus quando ele
quis me dar aulas. É claro que as aulas
que ele estava oferecendo... bem....

Ela tenta novamente forçar a tranca e está ficando mais frustrada quando esta não mostra nenhum sinal de sair do lugar.

GABRIELLE
(continua)
Filho de um....


Puxando a faca para fora, ela bate o lado de seu punho contra o portão, em frustração, depois quase pula para fora de sua pele quando o portão se abre bem como você gostaria.

GABRIELLE
(continua)
... tio de centauro. Hehe. Cuidado,
Xena, eu simplesmente posso
decidir ficar com este embrulho.

Cuidadosamente, para não cortar nada precioso, ela coloca a adaga de volta e caminha pelo portão, certificando-se de fechá-lo atrás dela.

CORTA PARA:

CENA INT. VILA DE STALLONUS - DE TARDE

Um grande grupo de homens está reunido em uma densa multidão, corados, e apontando dedos acusatórios uns aos outros. Do lado de fora desse círculo, Xena está parada de pé, com os braços cruzados sobre o peito, olhos estreitados em perigosas aberturas, e batendo com a bota o pé no chão.

HOMERO
O que você acha, Gabrielle?

‘Gabrielle’ lhes dá a todos um longo e arrebatador olhar.

XENA
O que eu acho é que, se vocês não começarem
a agir como homens em vez de um bando
de meninos crescidos, eu vou começar a
estourar cabeças e acabar com isso.

Um alto murmúrio, pontuado por um engasgar ou dois, enche o aposento superlotado enquanto os homens reagem a seu comentário.

JOVEM HOMEM
(para um amigo)
Eu achava que era para
ela ser a boazinha.

XENA
Eu SOU a boazinha.


CORTA PARA:

CENA INT. ACADEMIA - DE TARDE

Movendo-se cuidadosamente ao descer o longo corredor, Gabrielle é rápida ao olhar em torno de si apenas para se certificar que sua presença ainda não foi detectada. Pisando levemente, ela continua a descer o corredor, descobrindo-se um tanto impressionada com o quão fácil é se mover tão silenciosamente no corpo de Xena.

Em todos seus anos com Xena e sob a tutela das amazonas, ela aprendeu como se mover sem ser vista ou ouvida, mas ela tinha uma sensação de que tudo que Xena fazia era natural ao corpo que ela atualmente ocupa.

Ela pára bastante repentinamente, quase como se o corpo tivesse parado sozinho. Ela ouve um movimento ao final do corredor. Pressionando-se contra a parede, ela cuidadosamente espia atrás da esquina e descobre dois guardas parados no final do outro lado.

GABRIELLE
Perfeito. Simplesmente perfeito.

Respirando fundo e fechando os olhos, ela considera seu próximo movimento.

GABRIELLE
(continua)
Quais as probabilidades de eles estarem guardando
uma porta pela qual eu *não* queira passar?

Olhando em volta ,ela não encontra nada que ela ache que possa usar para chamar a atenção deles para fora de seus postos.

Movendo-se até a janela, ela olha para fora e descobre que há uma fina borda ao longo do lado do prédio, que poderia fazê-la se aproximar do aposento em questão.

GABRIELLE
(continua)
Nada é sempre fácil.


Escalando para fora até a borda, ela toma muito cuidado de se certificar de que tem apoio suficiente para o pé antes mesmo de tentar dar o primeiro passo. Deslizando o pé, ela se move pela borda, avançando lentamente para mais perto do que ela espera ser a janela que leva ao escritório. Quando ela coloca o pé para o próximo passo precário, tal parte da borda se esmigalha e ela cai.

Tendo reflexos que são luminosamente mais rápidos que ela, ela se agarra à borda, parando a queda, e se pendurando do lado do prédio pela ponta dos dedos. Olhando brevemente para baixo, ela decide que cair no chão de lá não está no topo de sua lista de objetivos para o dia.

Com um grunhido e tremenda concentração, ela se puxa para cima de volta e encontra apoio para o pé uma vez mais.

GABRIELLE
(continua)
Agora eu sei por que ela gosta de uma
boa massagem à noite. Controlar
esta coisa é uma tarefa difícil.

Agora, tentando fazer seu caminho sem escorregar novamente, ela pode sentir os músculos em seu corpo tensionando e des-tensionando enquanto ela se move. Finalmente alcançando a última janela do lado do prédio, ela empurra as folhas de madeira da janela para dentro, esperando que o estalar da madeira não desperte a atenção dos guardas do outro lado da porta.

CORTA PARA:

CENA INT. VILA DE STALLONUS - DE TARDE

Os homens finalmente se estabeleceram em grupos menores, cada um disputando pela honra de ser o primeiro a contar sua narrativa para o que promete ser uma massiva audiência. Homero, já tendo decidido isso por si mesmo, acena chamando‘Gabrielle’ para seu lado, junto a Twickenham.

HOMERO
Quando Merikus começar a falar, nós
faremos nossa entrada. Twickenham e eu
lideraremos uma coluna colocada à esquerda
e eu gostaria que você liderasse a
coluna da direita.

XENA
Ótimo.

Homero coloca uma mão no braço de ‘Gabrielle’.

HOMERO
Eu também gostaria que você contasse
a primeira narrativa, Gabrielle.

Xena se vira de olhos arregalados na direção de Homero, sua mente lutando para vir com algo apropriadamente do estilo de Gabrielle para dizer em resposta.

XENA
Isso... eu... Obrigada, Homero.
Por essa honra, mas...


HOMERO
Eu insisto, Gabrielle. Você é a melhor
de nós todos, e é simplesmente correto que
lhe seja dada a honra de apresentar o nosso
caso baseado na força de sua habilidade.

Xena olha fixo para Homero, verdadeiramente entre a cruz e a espada. Ela bem sabe que Gabrielle merece que essa honra seja concedida a ela. Mas ela também sabe que ela não é Gabrielle, e por sua aceitação ela corre o risco de transformar a honra em uma farsa. Todavia, seu orgulho pela habilidade e experiência de sua parceira a leva a responder da única forma que pode.

XENA
Eu aceito. Obrigada.

Homero e Twickenham ficam radiantes.

CORTA PARA:

CENA INT. SALA DO CHANCELER - FINAL DA TARDE

O som de passos vem através da porta, próximos à sala do chanceler.

Deixando-se cair para dentro, Gabrielle imediatamente se agacha, com olhos e ouvidos atentos a qualquer possibilidade de perigo ou ameaça. Seus olhos pousam nas sombras de bem do lado de fora da porta.

GABRIELLE
Apenas fiquem aí fora, rapazes. Vocês
não querem fazer com que eu tenha
que testar esta coisa, querem?

As sombras continuam atrás da porta enquanto Gabrielle espera, depois lentamente se afastam.

GABRIELLE
(continua)
Boa decisão.

Ficando de pé, ela se move pela sala. Um oscilante porta-vela vem perigosamente perto de batê-la na cabeça, mas ao último minuto os reflexos de Xena a evitam de atingi-lo.

GABRIELLE
(continua)
Ôua.

Ela se abaixa sob a candeia e se dirige a grande e enfeitada escrivaninha no centro da sala.

Olhando para a superfície dela, ela a descobre coberta de papéis e folheia entre eles.

GABRIELLE
(continua)
Ora, ora. O que
temos aqui?

Gabrielle ergue o pergaminho até a luz.

GABRIELLE
(continua)
Mil dinares, né?
Boa doação.

Gabrielle ergue outro pergaminho, quase idêntico.

GABRIELLE
(continua)
Dois mil. Eu não sabia que contar
histórias era tão lucrativo assim.
Talvez eu devesse.... Náá.

Balançando a cabeça em desgosto, ela toma um assento na grande cadeira e continua a examinar a escrivaninha. Nas costas, ela encontra um pequeno painel. Pressionando-o, a pequena porta se abre e ela retira vários pergaminhos. Desenrolando-os um por vez, ela lê cada um cuidadosamente até encontrar o que ela acha que está procurando. Quando seus olhos varrem o terceiro pergaminho, ela balança a cabeça, sem acreditar no que está vendo, em como as linhas do texto se formam em palavras que a chocam ao coração.

GABRIELLE
(continua)
(em um sussurro angustiado)
Não. Eurípides. Por quê?


Afastando os outros pergaminhos, ela toma o último que leu e o enfia em seu bracelete.

Levantando-se, ela olha para a janela relutantemente. Ela caminha até lá e espia para fora, depois, com um decisivo grunhido, ela volta e se dirige à porta.

GABRIELLE
(continua)
Vamos tentar a outra rota.

Gabrielle pára e olha para a escrivaninha. Ela balança a cabeça tristemente.

GABRIELLE
(continua)
Acho que você estava certa afinal, droga.
Tudo bem, Eurípides. Você e eu teremos
uma pequena conversa imediatamente
depois de eu me encontrar com Xena.

Indo até a porta, ela pára o tempo suficiente para ouvir os homens conversando do outro lado. Uma estranha expressão vem a seu rosto, e ela levanta as mãos, fechando-as e abrindo-as.

GABRIELLE
(continua)
Estranho...

Sua mão direita se curva a um punho solto, embora seus dedos estejam fechados em volta do cabo da espada.

Gabrielle toca o pulso de seu punho, depois lentamente deixa a mão cair. Ela olha para a porta, e seus olhos se estreitam, com um leve sorriso aparecendo em seu rosto.

Puxando a porta aberta, ela se encontra com dois guardas MUITO chocados.

GUARDA 1
(completamente surpreso)
Ei!

GABRIELLE
Olá amiguinhos. Bom dia
para uma soneca, não?


Antes que cada um deles possa reagir, ela os agarra a ambos pelo pescoço e bate suas cabeças juntas. Eles já estão moles quando são arrastados de volta à sala. Ela larga seus corpos e caminha de volta, olhando para eles atentamente.

GABRIELLE
(continua)
Uau. Isso foi diferente.

Gabrielle flexiona as mãos novamente, depois as esfrega juntas e volta a trabalhar, amarrando os homens juntos.

Fechando a porta, ela começa a voltar descendo pelo corredor, e deixa o prédio tão rapidamente e silenciosamente quanto o fez para entrar.

CORTA PARA:

CENA INT. VILA DE STALLONIUS - FINAL DA TARDE

Parada de pé em uma esquina sem luz, Xena observa enquanto Eurípides, que tem estado bastante quieto e evasivo o dia todo, começa a se mover lentamente a caminho da porta. Depois de um último olhar furtivo à volta, Eurípides desliza para fora da vila através de uma porta lateral.

Respirando fundo, Xena se puxa afastando-se da parede e se move atrás dele.

CERAS
Gabrielle! Aí está você! Por favor, você
tem que me ajudar com minha elocução!

Xena olha para o grande e alto homem de queixo triplo vestido em pomposos mantos vermelhos e, louvando a sua recém-diminuída estatura física, ela facilmente se abaixa entre o massivo par de braços fazendo-os balançar sozinhos em sentido oposto a seus ombros.

XENA
Desculpe, Ceras, mas eu preciso ver
um homem, é sobre um jumento.
Alcanço você mais tarde.

Virando-se, ela quase colide com vários mais bardos que querem todos cercá-la, implorando por sua ajuda com uma coisa ou outra.

A estatura a que ela acabou de dar graças ela agora maldiz, quando os homens bloqueiam sua visão do outro lado, permitindo a Eurípides a escapar para mais e mais longe de seu alcance. Resistindo ao ímpeto de rachar uns crânios e acabar com isso, ela decide por tentar um verdadeiro método de Gabrielle, um que tem sempre funcionado com ela.

Ela sorri e adiciona uma dobra de nariz como efeito.


Os homens sorriem de volta.

Um ou dois até coram.

XENA
(continua)
(secretamente impressionada)
Desculpem, rapazes, mas eu tenho que cuidar de
fazer uma coisa. Eu estarei de volta aqui com
vocês tão logo eu possa, está bem?

Os homens assentem avidamente e, como se por mágica, o caminho até a porta é aberto a ela.

XENA
(continua)
Hum. Isso foi diferente.

Correndo pela abertura, ela quase chega ao lado de fora quando uma mão em seu ombro a detém. Ela gira, depois pára quando Homero dá um passo atrás ao ver o olhar em seu rosto. Cuidadosamente disciplinando suas feições, ela olha para ele em expectativa.

HOMERO
O sol já quase se pôs.
É hora de ir.

Xena olha para ele por um momento, indecisa.

XENA
Eu estive pensando
nisso, Homero, e...

HOMERO
Gabrielle, você prometeu.
Por favor. Precisamos de sua ajuda.

Suspirando, Xena finalmente lhe assente.

XENA
Ótimo, então. Vamos.

CORTA PARA:

CENA EXT. TERRENO DA ACADEMIA - QUASE AO PÔR-DO-SOL

Gabrielle sai do prédio principal e vê a multidão se reunindo para a cerimônia de posse a não muito longe dali. Homens e mulheres de todas as classes e idades se atropelam na direção do palco, como lemingues* em direção a um despenhadeiro. O ar está tenso com excitação e expectativa. *roedor europeu, conhecido por periódicas migrações em massa que às vezes terminam em afogamento (NT).

GABRIELLE
Uau. Da última vez que eu vi uma
multidão tão grande, eles estavam
lotando o Coliseu Romano.


Ela se move com a multidão, pretendendo chegar ao palco, e a Xena, com suas descobertas.

Exatamente então, ela espia uma figura vagamente familiar se empurrando pelo caminho entre a multidão, como um salmão nadando contra a corrente. Seus olhos se estreitam quando o homem olha para cima e ela reconhece seu rosto.

GABRIELLE
(continua, sussurrando)
Eurípides.

Ela o rastreia quando ele faz seu caminho para um grupo de árvores bem à esquerda do grande palco, onde ele desaparece de vista. Depois de um longo olhar para o palco, ela dispara e começa a se mover contra a multidão, dobrando na direção do grupo de árvores e de Eurípides.

A multidão, porém, tem outras idéias e não está para deixar uma mulher, mesmo sendo uma mulher guerreira plenamente armada e com um olhar feroz, evitá-los de tentar pegar o melhor assento na casa. Tão forte quanto ela se empurra contra eles, eles se empurram de volta mais forte ainda, forçando-a a ceder dois passos de chão para cada um que ela ganha.

O tempo está se esgotando, e finalmente ela não consegue pensar em outra opção além de usar as técnicas de Xena. Alcançando atrás de si, ela desembainha sua espada e a segura diante dela.

GABRIELLE
(continua)
SAIAM!


A primeira onda pára, de olhos arregalados.

GABRIELLE
(continua)
AGORA!

O caminho se parte limpo até as árvores e Gabrielle sorri, impressionada.

Desembainhando sua espada, ela anda a passos largos pelo caminho agora aberto, como se fosse dona dele.

GABRIELLE
(continua, murmurando)
Eu poderia me acostumar a isso.

CORTA PARA:

CENA EXT. PALCO - PÔR-DO-SOL

Xena está parada de pé do lado de fora de um dos lados do palco, bastante concentrada. Gabrielle não está em lugar algum que possa ser encontrada, e Eurípides ainda está ausente também.

Confundindo sua preocupação com ansiedade, Homero se aproxima e sorri para ela.

HOMERO
Você irá fazer bem feito, Gabrielle. Eu tenho fé de
que tudo correrá como planejamos esta noite.

Xena lhe dá um sorriso distraído, e assente.

XENA
Oh sim. Tenho certeza.


Twickenham caminha para o lado de Homero e sorri para ambos.

TWICKENHAM
Merikus está chegando ao palco.
Já vai começar.

CORTA PARA:

CENA EXT. ÁRVORES - PÔR-DO-SOL

Espiando através da folhagem, Eurípides ergue seu pequeno arco quando os estudantes e ex-alunos da Academia são conduzidos por Homero e ‘Gabrielle’ a entrar no palco e formar várias fileiras atrás de Merikus, que está ainda falando em voz alta e irritantemente monótona.

Uma mão toca seu pescoço, junto com uma lâmina afiada.

GABRIELLE
(suavemente)
Largue isso.

Ele congela.

GABRIELLE
(continua)
Largue, Eurípides. Eu não estou brincando.

Lentamente, para não se cortar, ele vira sua cabeça, fitando os ferozes olhos azuis da Princesa Guerreira.

EURÍPIDES
Eu...

GABRIELLE
Eu não estou interessada em suas desculpas,
Eurípides. Largue isso. Agora.

CORTA PARA:

CENA EXT. PALCO - PÔR-DO-SOL

Recebendo sua deixa de Homero, Xena respira fundo e caminha adiante para ficar diretamente ao lado do monótono Merikus. Ela varre com os olhos a multidão, procurando por Gabrielle, mas depois de um momento ela ergue a mão e esfrega os olhos, balançando a cabeça um pouco.

XENA
(murmurando)
Talvez seja esse o segredo dela. Ela
simplesmente não vê todas essas
malditas pessoas a observando.


Merikus olha zangado para ela com o canto do olho, franzindo a testa profundamente, mas continuando seu discurso.

MERIKUS
E, é claro, todos conhecem a grande e
maravilhosa barda de Potedia, que
nos honra com a sua presença!

Xena olha para a multidão. Ela olha para baixo, para suas mãos, e percebe que elas estão tremendo. Ela lambe os lábios, percebendo que foi pega em algo mais profundo do que ela pensava. Mil olhos estão sobre ela.

Xena toma fôlego. Seus olhos se alargam quando ela percebe que Merikus está quase terminando de apresentá-la. Ela não tem idéia do que vai dizer quando ele terminar.

CORTA PARA:

CENA EXT. ÁRVORES - PÔR-DO-SOL

Gabrielle localiza Xena, vendo o olhar em seu rosto quando ela percebe o apuro em que elas estão.

GABRIELLE
Oh puxa.

EURÍPIDES
Está quase na hora. Você
tem que me ouvir.

Pestanejando, Gabrielle vira sua atenção de volta para o traidor. Seus olhos se estreitam.

GABRIELLE
Ouvir você? O motivo pelo qual você gostaria de
silenciar a voz dela, e vozes como a dela,
está além da minha compreensão.

EURÍPIDES
Silenci...? Xena, eu não quero os
silenciar. Eu quero lhes dar a
mesma oportunidade que eu tive.

GABRIELLE
Assassinando Homero?

EURÍPIDES
Homero?? Receio que você esteja enganada,
Xena. Eu não estou tentando matar Homero.
Estou tentando salvá-lo.

Gabrielle olha para seu rosto, para o arco que ele ainda segura em suas mãos, depois para seu rosto novamente.

GABRIELLE
Você terá que me perdoar se for
muito difícil de acreditar nisso.

EURÍPIDES
Isto não é para Homero.

Ele aponta na direção do palco.

EURÍPIDES
(continua)
Isto... ahh!

Gabrielle estremece e se vira bem a tempo de encontrar uma figura mascarada e encapotada saltando na direção deles com a espada estendida apontando para Eurípides.

GABRIELLE
Ei!

Gabrielle empurra o atacante para trás e volta seu rosto contra ele. Ele vira de Eurípides e vai atrás dela, usando sua espada com habilidade e agressão.

EURÍPIDES
Espere!

O homem esmurra Eurípides e ele vai ao chão sem um som. Gabrielle tenta simplesmente deixar o instinto assumir. Ela caminha adiante e balança sua espada, mas ela não exatamente atinge o lugar certo e o homem desvia facilmente dela, fazendo-a dar um passo para trás.

GABRIELLE
Por que isso não é tão fácil
quanto ela faz parecer?


CORTA PARA:

CENA EXT. PALCO - PÔR-DO-SOL

Xena vê alguma confusão ao fundo da multidão, mas não consegue ver passando além deles para descobrir o que é.

MERIKUS
E agora, eu lhes entrego
a grande Gabrielle!

A multidão celebra e bate palmas. Xena os fita. Depois de um segundo, as palmas desvanecem, e cresce o silêncio.

Xena toma fôlego para falar, e então, quando a última palma desvanece, ela ouve o som de espadas se cruzando e repentinamente bate a mão sobre seu estômago.


XENA
(sussurrando)
Gabrielle.

A multidão murmura, dando de ombros.

MERIKUS
Gabrielle? Nós esperamos
suas prodigiosas palavras.

Xena está procurando pela multidão novamente, mas não consegue encontrar Gabrielle em lugar algum.

XENA
Ah... eu tenho... algo a
dizer a vocês todos.

Xena cai em silêncio, e fecha os olhos.


CORTA PARA:

CENA EXT. ÁRVORES - PÔR-DO-SOL

Gabrielle cambaleia, incapaz de ganhar controle do corpo de Xena usando seus próprios instintos.

HOMEM ENCAPOTADO
Ha! A grande Xena não
é tão grande afinal!

GABRIELLE
Droga. Eu consigo usar esta coisa.

O homem vem atrás dela. Gabrielle tropeça para trás, desviando da espada do homem, mas quase batendo sua cabeça contra o ramo de árvore sob o qual eles estavam lutando.

Eurípides instavelmente fica de pé e faz menção de agarrar o homem. O homem se vira e o atinge, então, quando ele cai, o homem ergue sua espada para terminar com ele.

Gabrielle se arremete adiante e agarra Eurípides em meia queda, jogando a si mesma e a ele para fora do alcance do homem. Eles atingem o chão e Gabrielle gira sobre si para se levantar, mas descobre sua espada presa abaixo do corpo de Eurípides e olha para cima para ver a lâmina do atacante vindo direto nela.

Ela fecha os olhos.

GABRIELLE
(continua, sussurrando)
Xena, preciso de você.


CORTA PARA:

CENA EXT. PALCO - PÔR-DO-SOL

Xena está parada de pé com os olhos fechados, esquecida da multidão.

CORTA PARA:

CENA INT. VISTA DA MENTE DE XENA

Ouve-se um trovão. Duas séries de baques surdos.

GABRIELLE
(Voz em Off)
Xena!

Xena está caçando, seguindo o som. Uma rajada de luz aparece e ela corre na direção dela. Os baques sonoros ficam mais altos, quase esmagadores. Enquanto Xena corre, o trovão lentamente muda, se tornando um baque singular, como o som que se torna reconhecível como o da batida de um coração.

Da batida de dois corações se tornando um.


CORTA PARA:

CENA EXT. ÁRVORES - PÔR-DO-SOL

O atacante grita em triunfo e ergue sua espada, balançando-a para baixo na direção da forma ajoelhada de Xena.

HOMEM ENCAPOTADO
Peguei você!

Quando a espada vem a um sussurro de seu pescoço, a figura imóvel se mexe e a evade em um vibrante movimento.

O homem cambaleia, mas - quando ele consegue se equilibrar - Xena está de pé e de frente para ele, com sua espada na mão e um sorriso feroz em seu rosto.

XENA
Oh sim. Você me pegou.


Xena gira sua espada. Ela vai atrás do homem com divertimento, fatiando a capa dele em tiras.

O homem tropeça para trás. Xena lança-se sobre ele, rasgando fora seu capuz, em triunfo. Não é ninguém que vimos antes.

XENA
(continua)
Mau plano.

Estranhamente, o homem apenas sorri para ela.

CORTA PARA:

CENA EXT. PALCO - PÔR-DO-SOL

Merikus caminha a passo largo na direção de Gabrielle. Homero irrompe atrás dele.

MERIKUS
Como eu já havia suspeitado! Você é uma
impostora! Uma farsante! Guardas!

HOMERO
Não, espere!

Gabrielle abre os olhos e olha para ele. Ela estica os braços e respira fundo.

GABRIELLE
Eu canto a uma Rainha Amazona, que, no
meio de sua aflição, lutou bravamente
contra a traição e alcançou um lugar
além da morte para resgatar do
túmulo uma guerreira caída.

A voz de Gabrielle se ergue sobre a multidão, a qual se silencia para ouvir.

GABRIELLE
(continua)
Eu canto hoje de pesar, e de paixão,
e de um amor tão grande que tem
o poder de fazer de duas vidas...
(sorrindo)
Uma.

Merikus pára, em surpresa. Homero lhe dá um empurrão.

HOMERO
Eu te disse!

Merikus se vira e fita Homero. Twickenham passa rapidinho para cima do palco, para ficar de pé ao lado de ambos, fazendo menção a que Gabrielle continue.

TWICKENHAM
A-a... agora r-r-r-rapazes. N... nós estamos i...
in... interrompendo... nossa c-c-c-c-c-convidada.

Merikus e Homero se apaziguam, curvando-se para Gabrielle. Twickenham e Merikus trocam olhares.

Gabrielle vira e fica de frente para a multidão, depois repentinamente mergulha ao chão quando Xena salta no palco, se arremessando bem sobre a cabeça de Gabrielle e nos três homens.

As figuras giram várias vezes antes de pararem. Uma faca desliza ao longo do palco até atingir as botas de Gabrielle. Ela se inclina e a pega, depois continua para onde Xena está acabando de puxar para fora o suposto assassino.

XENA
Eis o seu traidor, Homero.

Homero e seus compatriotas engasgam quando o rosto corado do assassino é revelado.

HOMERO
Twickenham?!?!?

Merikus fica de pé com sua rosada face corada de raiva. Vários guardas com olhar confuso se agrupam em torno deles.

MERIKUS
Agora olhe aqui....

GABRIELLE
Guardas! Prendam este homem por
conspiração ao assassinato do
legítimo Chanceler da Academia.

GUARDA
Twickenham?

Gabrielle aponta.

GABRIELLE
Não, Merikus.


MERIKUS
Espera aí um momento! Eu....

GABRIELLE
(furiosamente)
Quanto que ele te pagou,
Twickenham??

TWICKENHAM
E–E–Eu–Eu....

GABRIELLE
Quanto?!?

Xena puxa o homem aterrorizado sobre seus mantos e o sacode.

XENA
Eu te sugeriria que a respondesse.


TWICKENHAM
D-d-dez m-m-mil d-d-d-dinares.
E a Ch-ch-ch-chancelaria
a-a-a-a-assistente.

MERIKUS
Mentira! Tudo mentira!! Eles estão armando pra cima de mim!
Vocês não conseguem ver isso?? Eles estão todos
em associação uns com os outros. Eles todos
querem me desacreditar. Eles estão
todos mentindo!! Todos eles!!!

Eurípides salta ao palco e caminha a passo largo até o grupo, puxando um pergaminho de seus mantos.

EURÍPIDES
Eles não estão mentindo. Vejam.

Um guarda pega o pergaminho e o desenrola para revelar um contrato entre Twickenham e Merikus; um contrato escrito na mesma mão que escreveu os documentos reprovando Eurípides, que Gabrielle encontrou mais cedo.

GUARDA
Esta é a sua letra, Merikus.
Eu a reconheço de um contrato que
você redigiu para minha esposa e
para mim na última colheita.

MERIKUS
Mentiras! Vocês estão todos mentindo!!
Todos vocês! Todos vocês!!!

GUARDA
Leve-o para a prisão.
Aquele ali também.

Xena entrega Twickenham para os guardas. Ele olha para seus amigos reunidos, com lágrimas reluzindo em seus olhos assombrados.

TWICKENHAM
E-E-Eu-Eu sinto m-m-m-mui-mui-mui-muito!

Ninguém responde a ele enquanto ele é levado embora.

Quando os homens desaparecem de vista, Homero se vira para Xena.

HOMERO
Obrigado, Xena. Você salvou minha vida.

XENA
(olhando para Gabrielle)
Eu tive bastante ajuda.

Gabrielle sorri e esfrega o nariz.

HOMERO
Claro. Vocês são realmente uma equipe.

GABRIELLE
(secamente)
Nós temos muitas, muitas habilidades.


Homero ri suavemente, olhando para cada uma delas por vez.

HOMERO
Nisso eu posso perfeitamente acreditar.
Obrigado a ambas. Vocês prestaram à
Academia e a Atenas um ótimo serviço.

Xena e Gabrielle assentem em uníssono.

GABRIELLE
Sempre que precisar. Certo, Xena?

XENA
Certo.

Gabrielle aponta para a multidão, a qual está se empurrando adiante para pôr os olhos no que está acontecendo.

GABRIELLE
Eu acho melhor você os distrair.
Conhece algumas boas histórias?

Homero sorri, e parte na direção da multidão, seguido por seus amigos.

HOMERO
Apenas deixe-os comigo.

Xena e Gabrielle saem para um lado, movendo-se para dentro das sombras, onde elas ficam paradas para assistir, de mãos dadas. Depois de um momento, elas trocam olhares.

GABRIELLE
Você está bem?

Xena assente.

XENA
E quanto a você? Aquilo foi...

A voz de Xena some. Gabrielle assente.

GABRIELLE
É, com certeza que foi.

XENA
Poderia ter sido pior.

Gabrielle pensa sobre isso por um momento.

GABRIELLE
Acho que preciso de tempo para... pensar sobre
tudo isso. Mas estou feliz de estar em casa.

Xena sorri e aperta a mão de Gabrielle calorosamente.

XENA
Eu também. Eu estava ficando com o
pescoço duro de ser tão baixinha.

Gabrielle coloca a mão na cintura e lança um olhar para Xena.

GABRIELLE
Não me faça começar.


Xena sorri.

XENA
Achei que você gostava do meu corpo.

GABRIELLE
Hum... Vamos apenas dizer que precisamos
discutir alguns de seus impulsos.

As sobrancelhas de Xena se erguem e se fixam ali. É a vez de Gabrielle sorrir.

FADE OUT.

FIM DO QUARTO ATO

CONCLUSÃO

FADE IN:

CENA EXT. VILA DE HOMERO - DIA

Com seus pertences empacotados, Xena e Gabrielle, felizmente em seus próprios corpos, estão se aprontando para pegar a estrada. Homero e Eurípides se juntam a elas quando elas estão prontas para partir.

HOMERO
Vocês têm certeza de que não querem ficar?

EURÍPIDES
Sim, nós estamos planejando uma
imensa celebração esta noite.

GABRIELLE
Obrigada, rapazes, mas
precisamos nos pôr a caminho.

EURÍPIDES
(duvidosamente)
Bem, se vocês têm certeza.

XENA
Nós temos.


HOMERO
Eu gostaria de agradecer a ambas novamente.
Se não fosse por vocês, eu poderia muito bem
estar morto, e a Academia estaria uma vez
mais nas mãos dos mercadores. Se houver
qualquer coisa que eu possa fazer para
recompensar vocês, por favor peçam.

Gabrielle sorri.

GABRIELLE
Nenhum pagamento é necessário. É o que fazemos.
Apenas dê a todos uma chance igual de estudar
e aprender lá. Isso é tudo o que pedimos.

HOMERO
Vocês têm a minha palavra.

Gabrielle fica séria.

GABRIELLE
Eu ainda não consigo acreditar.
Twickenham, de todas as pessoas...

EURÍPIDES
Eu não quis acreditar nisso também.
Mesmo quando a prova estava lá.
(pausa)
Ele era meu melhor amigo.

GABRIELLE
Eu queria ter entendido por que ele fez isso.


EURÍPIDES
Foi a gagueira dele. O impediu de ser
o bardo que ele queria ser. Eu acho que
depois de um tempo ele simplesmente...
desistiu. Era mais fácil se bandear com os
ricos, que estavam desejosos de lhe oferecer
algo, do que continuar a se esforçar para
fazer algo que ele sentia que nunca
seria tão bom para. Ele sempre
quis respeito, e sentia que nunca
conseguiria isso com sua gagueira.

XENA
E por que nos envolver? Isso foi o que eu não entendi.

HOMERO
(balançando a cabeça)
Ele achou que o fato de vocês estarem
aqui seria uma distração?

EURÍPIDES
(de modo austero)
Ele provavelmente imaginou que teria
alguém para responsabilizar pela morte.
(apologeticamente)
Desculpe, Xena.
(pausa, para Gabrielle)
Merikus sempre teve uma idéia
de que você não estava... Hum...

GABRIELLE
Contando toda a verdade em meus pergaminhos?

HOMERO
Algo assim.

EURÍPIDES
(suspirando)
E eu suponho que Twickenham
simplesmente quis ser outra
pessoa por um momento.

Xena e Gabrielle trocam um significativo olhar.

GABRIELLE
Ser outra pessoa pode ser uma boa fantasia,
mas na realidade isso não é tudo o que
exalta ser, acreditem em mim.

Homero e Eurípides olham para ela estranhamente.

GABRIELLE
(continua)
Apenas... aceitem minha palavra quanto a isso.

Xena acena com a cabeça para ambos, assentindo.

XENA
Homero. Eurípides.

HOMERO
Boa viagem, Xena. Por favor, traga logo Gabrielle de
volta para nos visitar de novo. Eu adoraria ouvir o
final daquela história que ela estava contando.

Gabrielle sorri.

GABRIELLE
Eu também gostaria.

Xena e Gabrielle partem, deixando dois homens intrigados olhando para elas.

FADE OUT.