CENA INT. PORÃO DO NAVIO - CONTINUANDO
Xena repreende os vultos com seu remo.
XENA
Parados! Gabrielle e eu estamos neste
navio sozinhas. Vocês não são reais.
Solan agarra o remo e empurra Xena para trás, com uma força surpreendente.
SOLAN
Somos tão reais quanto você.
Cyrene toma a outra ponta do remo.
CYRENE
Ou, você é tão real quanto nós.
Xena segura firme no remo, e com uma dupla torção de corpo, ela o arranca e o liberta deles. Ela dá um passo para trás.
XENA
O que vocês querem?
Mais vultos aparecem. Pontos agudos de luz, fitando Xena da escuridão. Um tem um vago contorno de uma Amazona da floresta. Outro pode quase ser Borias.
CYRENE
Nós queremos que você se sinta
como nós nos sentimos, Xena.
SOLAN
Traídos.
Os vultos se aproximam. Xena levanta o remo para se proteger.
CYRENE
Você sabe como é se sentir
sendo queimada, Xena?
Os olhos de Xena se estreitam.
XENA
Você sabe como é se sentir sendo
apedrejada até a morte, mãe?
Traição é algo que eu conheço...
(bufando suavemente)
Intimamente.
Um pedaço grosso de madeira surge da escuridão. Xena o desvia com o remo. Outro naco se segue. Ela o bate para o lado.
CYRENE
Não desperdicem seu tempo.
Ela não se importa conosco.
XENA
Você está errada, mãe.
Os vultos se lançam adiante. Xena se prepara.
SOLAN
Esperem. Não é desse modo.
Os vultos se movem de forma confusa, formando um denso semi-círculo em volta de onde Xena está parada.
CYRENE
Esse é o único modo
que ela entende.
Os vultos irrompem até Xena, fluindo por todos os lados. Xena se retorce e dispara na direção da outra ponta do porão.
Os vultos a circundam como moscas. Ela os golpeia para fora, mas eles tomam conta dela, e ela se debate entre o aperto eles.
XENA
Deixem-me em paz!
Os vultos a pressionam para baixo, e Xena é inundada de lembranças do seu passado. Uma visão de ela entregando Solan. Uma visão de Amphipolis sendo destruída durante seus anos iniciais. Uma visão de Solan morto em seus braços. Uma visão de Cyrene queimando. Uma visão do Inferno abrindo abaixo da taverna de Cyrene.
XENA
(continua)
(gritando)
Não!
CORTA PARA:
CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - CONTINUANDO
Gabrielle está presa, encostada no final da proa do navio. A tempestade está agora se enfurecendo novamente, e ela é arremessada contra o parapeito e quase passa dele. Ela se segura tenazmente, afastando o rosto contra seus pesadelos.
Esperança se arremete adiante. Gabrielle se esquiva, mas escorrega no úmido convés e fica de joelhos.
ESPERANÇA
Qual o problema, mãe?
Um pouco desequilibrada?
Gabrielle se levanta e dá firmeza a suas pernas. Seu rosto está severo, de cara fechada.
GABRIELLE
Eu nunca fiz nada para magoar
nenhum de vocês. Deixem-me em paz.
Duas sombras vêm à frente.
HECUBA
Isso não é verdade! Se você não tivesse partido, os
traficantes de escravos nunca teriam nos pegado!
HERÓDOTO
Como nós morremos, foi por causa de você!
Gabrielle fita seus pais.
GABRIELLE
Isso não é verdade. Se eu não
tivesse partido com Xena...
ESPERANÇA
Xena, Xena, Xena....
Vê? É sempre Xena.
GABRIELLE
Se eu não tivesse partido com ela,
eu teria sido pega.
ESPERANÇA
Então você admite seu egoísmo!
Você nunca se importou com nenhum
de nós. Só consigo mesma.
(pausa)
E Xena.
GABRIELLE
(ardentemente)
Isso não é verdade!
PÉRDIGAS
Sim, é verdade, Gabrielle. Os mortos
ouvem os pensamentos dos vivos, lembra?
Imagine como eu senti frio em meu túmulo,
morrendo por sua causa... Apenas para
ouvir você pensando nela.
Gabrielle cai em silêncio.
ESPERANÇA
Imagine como me senti sendo empurrada para
cair dentro de um poço de lava... por ela.
HECUBA E HERÓDOTO
Imagine como nos sentimos observando você
virar as costas para nós... por ela.
Gabrielle se segura no parapeito com ambas as mãos. Ela sabe que há uma verdade em tudo isso, não importa as circunstâncias.
GABRIELLE
(suavemente)
O que vocês querem de mim?
Esperança sorri.
CORTA PARA:
CENA INT. PORÃO DO NAVIO - NOITE
Xena está presa sob o peso dos vultos. Ela luta desesperadamente para se libertar, mas a intensidade deles é grande demais. Eles a bombardeiam com imagens de seu passado e do que ela fez.
Repetidas vezes, ela sente a morte de Solan, sente a tortura na masmorra de Ming Tien, sente o tapa da mão de Gabrielle em seu rosto.
Esse som ressoa pelo porão.
Xena deixa sair um grito inexprimível de agonia.
SOLAN
Mãe! Você tem uma chance!
Solan toma o rosto de Xena em suas mãos. Xena olha fixo para ele.
SOLAN
(continua)
Não a deixe destruir você.
(suavemente)
Deixe-a ir.
XENA
Por q...?
Solan acaricia as bochechas de Xena com seus polegares.
SOLAN
Tudo o que você tem que fazer
é me dizer que me ama.
XENA
Solan, eu amo. Sempre amei.
SOLAN
Mais do que ama a ela.
Xena fita Solan.
SOLAN
(continua)
Dê-nos paz. Não nos deixe queimar com
o entendimento de que nossos corações
foram traídos por alguém que te traiu.
XENA
Solan...
SOLAN
Diga, mãe. Tire-a de seu coração,
e nós te amaremos no lugar.
Xena fecha os olhos, uma expressão de dor em seu rosto.
CORTA PARA:
CENA EXT. CONVÉS DO NAVIO - NOITE - AO MESMO TEMPO
Esperança caminha adiante, estendendo sua mão. Ela não está mais zombeteira. Por uma vez, ela está lúgubre e séria.
ESPERANÇA
Nós duas fizemos más escolhas. Mas...
Seja como for, você é minha mãe.
Gabrielle a observa tensamente. Momentaneamente, ela fecha os olhos, e sua cabeça se ergue em uma posição de escuta. Ela levanta a cabeça e olha de volta para Esperança depois de uma breve pausa.
GABRIELLE
Sim, eu sou.
ESPERANÇA
Então me diga que me ama mais
do que ama a ela. Faça isso
significar alguma coisa.
Esperança estende a mão. Ela olha para Gabrielle direto no olho. O resto dos vultos espera em total imobilidade.
Mesmo a tempestade se aquieta. Esperando.
Gabrielle se inclina e toma a mão de Esperança.
GABRIELLE
Não posso.
Gabrielle puxa Esperança para perto dela inesperadamente.
GABRIELLE
(continua)
Não posso te dizer isso, Esperança. Porque
você está certa. Eu amo Xena mais do
que qualquer coisa no mundo.
Esperança grunhe.
GABRIELLE
(continua)
(intensamente)
E, pelos deuses, depois do que eu tive que
passar para tê-la do meu lado, vai ser
preciso muito mais do que você para
tirar ela de mim novamente.
Gabrielle se arremete, agarrando Esperança com as mãos e a arremessando para um lado enquanto ela se lança direto entre o centro dos vultos, deixando sair um grito selvagem.
Os vultos mergulham caindo em cima dela, mas Gabrielle os perpassa pelo convés até uma pequena escotilha despercebida até agora atrás do mastro do lado oposto.
Gabrielle arranca a abertura da escotilha, abrindo-a, e rompe suas dobradiças, jogando-a de volta no rosto de Esperança enquanto ela se levanta. O resto dos vultos se despeja em torno de Esperança, fluindo rápido na direção de Gabrielle com os braços estendidos.
ESPERANÇA
Espere, MÃE.
Esperança aponta ameaçadoramente.
ESPERANÇA
(continua)
Xena teve que fazer sua própria
escolha lá embaixo. Claro que você
já sabe qual a resposta vencedora?
Gabrielle fita Esperança.
ESPERANÇA
(continua)
Aquele chakram não vai apenas
partir seu crânio desta vez.
Gabrielle olha para baixo dentro do buraco escuro. Ela olha para cima, para Esperança.
GABRIELLE
Eu vou arriscar.
Gabrielle caminha entre a escotilha e desaparece. Com um uivo, Esperança e o resto dos vultos a seguem.
CORTA PARA:
CENA INT PORÃO DO NAVIO - AO MESMO TEMPO
Xena está deitada no chão, seus braços estendidos, seu corpo tenso. Ela está olhando fixo entre a escuridão.
XENA
Nunca.
Solan se agacha sobre ela, os vultos se contorcem sobre seu rosto.
SOLAN
Nem mesmo por seu filho?
XENA
Meu filho...
Ela respira fundo.
XENA(continua)
... nunca teria me pedido isso. Yeahhh!!!
Xena arqueia suas costas e salta para cima com uma incrível velocidade e violência. Ela atira Solan para trás, longe de si, e mergulha no chão, encontrando seu remo perdido e então voltando a ficar de pé após uma cambalhota.
Solan a ergue e a arremessa contra a parede dos fundos. Xena pula dali e recupera o equilíbrio. Ela encara seus demônios com a cabeça altamente erguida.
A escuridão se fecha em torno dela. Solan liderando o caminho.
SOLAN
Então nós lhe levaremos para um
lugar tão escuro que você nunca
descobrirá como sair de lá.
XENA
É? Tentem.
Xena coloca as costas na parede e ergue seu remo quando os vultos convergem para ela. Mas antes que eles possam sobrepujá-la, um som sobre suas cabeças faz Xena olhar para cima.
Um quadrado de luz aparece, depois some quando algo cai por ele.
Xena solta o remo e pega Gabrielle no lugar, assim que dois grupos de demônios se empilham no topo de ambas, com o toque deles trazendo-lhes grande dor.
XENA
(continua)
Augh!!
GABRIELLE
Ahhhh!!!!
Enquanto seus gritos reverberam, os vultos abruptamente somem.
Os sons desaparecem.
O navio pára de balançar.
O porão é repentinamente inundado de luz. Envoltas uma nos braços da outra, Xena e Gabrielle olham para cima para ver a lua cheia brilhando sobre elas.
Os únicos barulhos são o estalar das vigas, e dois grupos de respirações desiguais. Gabrielle pousa a cabeça no ombro de Xena e fecha os olhos.
Xena mantém sua cabeça erguida, absorvendo a luz enquanto abraça Gabrielle firmemente.
A tempestade acabou.
FADE OUT.
FIM DO QUARTO ATO
CONCLUSÃO
FADE IN:
CENA EXT. DOCAS DA CIDADE - DIA SEGUINTE - MANHÃ
É pôr-do-sol sobre a cidade. A luz não ajuda em nada o visual. É um roto e gasto vilarejo pesqueiro, com sal incrustado nos prédios e um monte de ferrugem em tudo.
Às docas, porém, está o último navio, amarrado firmemente. Há escadas de corda colocadas contra ele, e já há homens trabalhando nele e perto dele, embora eles parecem muito cuidadosos em volta da embarcação.
A porta para a estalagem se abre, e Xena e Gabrielle emergem. Elas caminham descendo ao cais e se sentam em um caixote, observando a ação em torno do navio.
GABRIELLE
(continua)
Não parece tão assustador
na luz do dia, parece?
Xena estuda a doca em silêncio.
O estalajadeiro vai correndo até elas, nervoso e aborrecido.
ESTALAJADEIRO
Ah... Ah, aí estão vocês. Hum... ouçam, eu realmente
quero dizer a vocês apenas o quão terrivelmente
sentido eu estou sobre o que aconteceu...
XENA
Então você já disse.
GABRIELLE
Dez ou onze vezes agora.
O estalajadeiro torce as mãos.
ESTALAJADEIRO
Sim, bem, deu tudo
certo, não foi?
Xena e Gabrielle olham fixo para ele.
GABRIELLE
Vocês sabiam que aquilo
estava lá, não sabiam?
ESTALAJADEIRO
(aborrecido)
Oh, vocês não entenderiam...
XENA
Tente.
O estalajadeiro se senta.
ESTALAJADEIRO
Belegos era um capitão de navio. Um capitão de
navio muito famoso, que era um maravilhoso
pescador, e uma boa pessoa.
Xena observa ele juntando as mãos, enquanto Gabrielle escuta.
ESTALAJADEIRO
(continua)
Ele se apaixonou por uma moça daqui e se
casou com ela. Ele estava louco de amor
por ela. Idolatrava-a... teria feito
qualquer coisa por ela afinal.
GABRIELLE
Continue.
ESTALAJADEIRO
Quando ele estava no mar, a moça... Bem...
Enfim, ela o traía e uma noite ele atracou
inesperadamente e foi para casa. Era
o aniversário deles, sabe, e...
GABRIELLE
Ah.
O estalajadeiro se levanta e limpa a mão no avental.
ESTALAJADEIRO
Ele nunca superou isso. Ele matou
a ambos, e desapareceu.
Ele olha para o barco.
ESTALAJADEIRO
(continua)
Alguns anos depois, o chamado começou.
Nós sabíamos que, quando o sino toca, nós
tínhamos que enviar alguém lá ou então...
XENA
(de modo chato)
Essas pessoas nunca voltaram.
ESTALAJADEIRO
(de modo desajeitado)
Ah, Não. Mas nós tínhamos que ir, porque
caso contrário ele arruinaria a pesca, e
você sabe... Nós... vivemos... disso.
Gabrielle o olha nos olhos.
GABRIELLE
Vocês nos mandaram lá para morrer.
ESTALAJADEIRO
Ah... Bem, sim, mas vocês não morreram.
Logo, tudo está bem então, sim?
Xena olha fixo direto à sua frente.
XENA
Claro.
ESTALAJADEIRO
Ótimo. Bem, eu tenho que voltar à minha
estalagem. Claro que vocês não ficarão
conosco outra noite?
Xena vira a cabeça e o fita.
O estalajadeiro parte correndo apressado. Xena e Gabrielle são deixadas olhando para o barco, e o mar além dele. Depois de um breve momento, Xena se levanta e oferece a mão à Gabrielle. Gabrielle a aceita, e elas caminham descendo pela estrada até alcançarem o litoral, com uma visão desobstruída do mar.
Elas se sentam juntas nas rochas e ouvem às ondas. Gabrielle pega uma pedra e a arremessa na água.
GABRIELLE
O quanto disso era real, Xena?
Xena balança a cabeça.
XENA
Não sei.
GABRIELLE
Quer dizer, como o fantasma do capitão, ou quem
quer que seja, sabia a quem invocar? Sabia
quais de nossas lembranças iriam...
XENA
Eu não acho que ele sabia.
Gabrielle se vira e olha para Xena.
XENA
(continua)
Acho que ele simplesmente depende de
dragar a pesca das piores coisas na
consciência de qualquer um.
Gabrielle reflete sobre isso por vários segundos.
GABRIELLE
(silenciosamente)
Ele com certeza tirou a sorte
grande com você e comigo.
Xena suspira e pega uma pedra, atirando-a no mesmo lugar que a de Gabrielle.
XENA
É. Com certeza que sim.
Ela arremessa outra pedra.
XENA(continua)
Imagina o que o fez parar?
Gabrielle lentamente se inclina contra o ombros de Xena, esticando-se para tomar a mão de Xena nas suas.
GABRIELLE
Vai ver ele finalmente encontrou uma pessoa
que amava do jeito que ele amou.
XENA
(sorrindo fracamente)
Vai ver ele encontrou duas pessoas.
GABRIELLE
É.
(hesitando)
Acho que encontrou.
Gabrielle agarra a mão de Xena firmemente. Ambas então falam de uma só vez.
GABRIELLE
(continua)
Ei...
XENA
Ei...
Elas caem em silêncio, e olham uma para a outra. Xena levanta a outra mão e toca o lado do rosto de Gabrielle ternamente.
XENA
(continua)
Nós derrotamos nossos piores inimigos.
Uma lágrima solitária rola na face de Gabrielle. Xena a limpa com seu polegar, depois descansa sua testa contra a de Gabrielle.
GABRIELLE
É, nós fizemos isso, não fizemos?
Depois de um breve momento, elas se beijam. Quando elas finalmente se separam, elas envolvem seus braços em torno uma da outra, firmemente.
XENA
(suspirando)
Quer saber?
GABRIELLE
(muito suavemente)
O quê?
XENA
Da próxima vez nós ficamos com o banho mineral,
e deixamos eles responderem ao seu próprio sino.
Gabrielle sorri ao pôr-do-sol.
GABRIELLE
Estou nessa com você, parceira.
(suspirando)
Estou nessa com você.
Uma gaivota gira sobre a praia, enquanto Xena e Gabrielle se inclinam uma contra a outra.
FADE OUT.
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