sexta-feira, 11 de julho de 2008

Realidade Virtual - Primeiro Ato

CENA EXT. CIDADE - DIA

Xena, Gabrielle e os guardas continuam parados de pé, encarando uns aos outros. A expressão atordoada de Xena se transforma em uma expressão de raiva.

GABRIELLE
(falando depressa)
Isso é ridículo! Como se pode esperarque eu devesse obedecer a uma leique eu sequer sabia que existia?

VOZ
(off câmera)
Desconhecer a lei não é desculpa.
(pausa)
Gabrielle.

Xena gira, e vê uma FIGURA em um MANTO NEGRO ENCAPUZADO casualmente se aproximando. Há uma espécie de vaidade em seu caminhar, e os olhos de Xena se estreitam. Ela reconhece a voz e o caminhar, mas ainda não conseguiu nomear a figura.

O homem retira seu capuz, sorrindo maliciosamente.

XENA
(rosnando)
Janos.

JANOS
Você se lembra de mim, Xena.Estou comovido.


Xena alcança sua espada, pretendendo "comovê-lo" de uma forma bem menos agradável.

O sorriso de Janos se alarga, como se esperasse esse exato resultado.

GABRIELLE
(suave)
Xena...

Uma pausa, e Xena relaxa, soltando a mão da espada.

O sorriso desvanece do rosto de Janos.

XENA
O que você está fazendo aqui, Janos?Decidiu armar outra armadilha para mim?


Janos alarga os olhos, simulando inocência. É uma expressão na qual nem Xena nem Gabrielle particularmente acreditam.

JANOS
Xena, eu posso ter sido suficientemente bomem conseguir tirar seu chakram de você em plenaluz do dia, mas eu não chego a ser um Oráculo.
Se eu pudesse ter imaginado uma forma delhe capturar aqui, eu não teria feito todoaquele caminho até Potedia, teria?

Nem Gabrielle nem Xena acreditam muito nele, mas não parece haver nenhuma forma de argumentar contra esse ponto de vista, então elas se permitem suportá-lo. Por enquanto.

O sorriso de Janos floresce, satisfeito de ter ganho o primeiro assalto (round).

JANOS
(para os guardas)
Levem-na para as celas. Eu mejuntarei a vocês em breve.

Gabrielle se debate um pouco com seus apreensores.

GABRIELLE
Espere! Apenas espere.

Janos se vira lentamente, e olha para ela.

JANOS
Sim?

GABRIELLE
Você pode ao menos nos dizerpor que está fazendo isto?

Janos ergue a cabeça, com uma expressão em seus olhos como a de quem está imaginando se ela perdeu o juízo.

JANOS
(lentamente)
Você cometeu um crime, Gabrielle.Você deve ser julgada e, se considerada culpada, pagaro preço por seus delitos. Certamente você entendeo conceito de justiça, não entende?
(pausa)
Se bem que, vivendo com Xena por todosesses anos, talvez você não entenda.

Xena rosna.

Janos ri, completamente tranqüilo.

JANOS
Levem-na.

Xena faz um movimento para eles pararem, mas Gabrielle a acalma com um olhar. Xena rosna de novo, mas apenas segue o pequeno grupo enquanto ele se dirige à CADEIA.

GABRIELLE
(para os guardas)
Vocês, rapazes, não acham que eupossa conseguir um banho, acham?


CORTA PARA:

CENA INT. CELA DA PRISÃO - DIA

Na cela da prisão, Gabrielle não está tão desgostosa assim. Calorosa e seca, a cela é extremamente limpa, bem iluminada, e de um tamanho adequado. Há uma estreita cama de solteiro pousada contra a parede do fundo.

Gabrielle, tendo encantado os guardas, está sentada limpa e refrescada na cama, enquanto uma ainda-suja e muito irada Princesa Guerreira caminha pra lá e pra cá do lado de fora das sólidas barras.

GABRIELLE
(sorrindo levemente)
Você vai abrir um buraco direto aoTártaros se continuar a fazer isso.

XENA
Ótimo. Aí eu arremesso Janos dentroe deixo o Lucy lidar com ele.


Gabrielle dá uma suave risada.

GABRIELLE
Conhecendo a afeição de 'Lucy' por você, é provável queele simplesmente o arremessasse de volta para cima.

A resposta de Xena é cortada pela chegada de Janos. Ela lhe atira um olhar. Ele responde com um sorriso.

JANOS
Olá de novo, Gabrielle. Acredito quevocê esteja sendo bem cuidada, não?

GABRIELLE
Tirando o fato de estar trancadacontra a minha vontade, sim.

JANOS
Se o julgamento correr bem pra você,isso irá mudar em breve.

GABRIELLE
E quanto a esse julgamento?
(pausa)
Quem será meu juiz? Você? Pareceque você já me considera culpada.


Janos ri.

JANOS
Eu? Oh não, Gabrielle. Eu sou meramenteo Legislador. Quem vai julgar serão aspróprias Virtudes, você vai ver.

GABRIELLE
As Virtudes?

Janos simula um olhar de choque.

JANOS
Certamente você sabe quemsão as Virtudes, Gabrielle.

GABRIELLE
Sim, eu sei, mas...

JANOS
Elas são as nossas Padroeiras. Assimcomo Atena era a de Atenas antesde Xena dar um jeito de livraro mundo de Sua presença.

Xena responde ao escárnio com um olhar frio.

JANOS
(continua)
E, ao contrário dos Destinos...

Ele dá a Gabrielle um olhar áspero, o qual ela retribui.

JANOS
(continua)
…as Virtudes estão bastante vivase envolvidas com seus adoradores.

GABRIELLE
'Tá, e aí? Vocês simplesmente… rezam para elase elas aparecem para me julgar, ou o quê?

Janos ri.

JANOS
É… um pouco mais complicadoque isso, Gabrielle.

XENA
(rosnando)
Vá direto ao ponto, Janos.


Ignorando Xena, Janos continua a falar com Gabrielle.

JANOS
Nossas leis nos foram dadas pelas própriasVirtudes, e quando você viola uma dessasleis, ofende às Virtudes. O julgamentoé um… teste de caráter, planejadopela Virtude cuja lei você violou.
(pausa)
Por exemplo, se você tivesse ignorado aquelemendigo em vez de lhe dar esmola, você teriaquebrado a lei da Caridade, e ela teria lhedado um teste para provar a sua culpaou a sua inocência.

GABRIELLE
Certo, eu já entendi.

XENA
(pesadamente sarcástica)
Então suponho que Estar Limpa aoCaminhar Por Um Jardim é uma dasVirtudes da qual ainda não ouvimos falar.

JANOS
(para Xena)
Na verdade, não. O Jardim Sagradopertence a todas as Virtudes.

Ele sorri. Não é exatamente uma expressão muito agradável.

JANOS
(continua, ainda para Xena)
Você conseguiu ofender a todas elas.O que significa, claro, que várias Virtudes
serão escolhidas e você irá precisar passarpor cada e todos os testes para ter êxito.

Gabrielle se levanta da cama e caminha até a porta de barras.

GABRIELLE
Com licença.

Janos se vira para Gabrielle.

JANOS
Sim?

GABRIELLE
Fui eu quem cometeuo ‘crime’ aqui.

JANOS
Isso é verdade. Porém, minha posição comoLegislador, me dá uma certa… liberdade de ação
em estabelecer as particularidades do julgamento.

Ele sorri novamente.

GABRIELLE
(furiosa)
Então foi uma armadilha o tempo todo!


JANOS
Não, para ser honesto, Gabrielle, nãofoi. Você violou a lei. E cabe a mimgarantir que isso seja corrigido.

GABRIELLE
Ótimo! Fico feliz de passar pelo seujulgamento. Xena não tem nada a vercom isso. Eu violei a lei, não ela.

JANOS
Verdade de novo, Gabrielle. Mas nemsempre aquele que viola a lei é quemas Virtudes escolhem para testar.
(pausa)
Há cerca de um ano atrás, uma jovem mulher serecusou a dar esmola para uma garota que estavaimplorando ajuda à sua família doente. Pelo direito,ela teria sido julgada. Porém, quando se descobriuque a jovem mulher estava a meio caminho de ser
ela mesma uma mendiga por causa de seu marido
alcoólatra, e que, se ela tivesse chegado em casa
sem o dinheiro na bolsa, seu marido teria a surrado
horrivelmente, a decisão foi de se julgar o marido
ao invés de o julgamento ser imposto a ela.

GABRIELLE
(entre o ranger de seus dentes)
Xena não é uma bêbada nem uma abusadora.

JANOS
Minha decisão está tomada, Gabrielle. O
julgamento se iniciará dentro de uma hora.

Janos vai embora, deixando as duas mulheres olhando fixamente para ele.

Gabrielle finalmente se vira para Xena.

GABRIELLE
Vamos sair daqui, Xena. Não tem
ninguém à volta. Temos que ir embora
antes que alguém perceba a nossa falta.


XENA
(pensativa)
Acho que deveríamos ficar.

GABRIELLE
(com os olhos bem abertos)
O que?

XENA
Você me ouviu.

GABRIELLE
Claro que ouvi. Só não estou
certa se acredito no que ouvi.
(pausa)
Xena, não importa o quanto Janos diga que
isso é organizado, puro e simples. Ele está furioso
por você ter escapado da poderosa armadilha dele
e ele fará de tudo para fazer você pagar por isso.

XENA
Sim, eu sei, mas...

Ela suspira.

XENA
(continua)
Gabrielle, eu tirei algo de Janos. Talvezseja a minha chance de dar algo em troca.

GABRIELLE
(analisando)
Ele já tem seu chakram, Xena.

XENA
Falo de algo maior que isso, Gabrielle.
(pausa)
Gabrielle, se nós fugirmos, vai parecer
que nós estamos fugindo da...
(pausa)
Virtude. Se nós partirmos agora, então tudo que ele
acreditou a vida inteira sobre mim será verdade.

GABRIELLE
Isso não é verdade, Xena!

XENA
Na mente dele, é sim.
(pausa)
Você uma vez me disse que o único jeito de
terminar o ciclo da violência e ódio é através
do amor. Talvez eu possa provar a ele que
eu sinto pelas coisas que fiz, e que eu
realmente mudei, e talvez isso dê
a ele uma sensação de paz.
(pausa)
Isso não é quebrar o ciclo?

Gabrielle suspira, claramente infeliz por ter sido pega por suas próprias palavras, mas igualmente incapaz de argumentar contra elas.

Xena sorri tristemente e se estica, agarrando as mãos de Gabrielle entre as barras, e apertando-as gentilmente.

XENA
(continua)
Gabrielle, eu acho que é melhor nós ficarmos, mas nósestamos nisso juntas. Se você quiser mesmo partir,
então me diga, que aí eu tiro você daqui, okei?


Gabrielle assente lentamente, olhando para baixo. Depois de um momento, ela ergue o olhar novamente para Xena.

GABRIELLE
(lentamente)
Eu acredito em você.
(pausa)
E... eu também acredito que talvez
você encontre alguma paz nisso.

Xena lhe dá um leve sorriso e aperta novamente as mãos de Gabrielle.

XENA
Talvez.

Ambas se viram quando ouvem passos vindo pelo corredor. Janos entra, parecendo surpreso e, talvez, um pouco desapontado também. Ele está acompanhado por vários guardas.

JANOS
Vocês ainda estão aqui?

Xena sorri maliciosamente.

XENA
Você não vai conseguir se livrar de nós assim tão fácil.

Uma ligeira aparência de inquietude perpassa as feições de Janos antes de ele assumir uma máscara de profissionalismo.

JANOS
Então suponho que você esteja pronta, não?

XENA
Para qualquer coisa.


Janos consente, e um dos guardas abre a porta da cela de Gabrielle.

O grupo caminha da cadeia até uma pequena e escura construção bem ao centro da cidade.

CORTA PARA:

CENA INT. TEMPLO DAS VIRTUDES - COMEÇO DA NOITE

O TEMPLO é uma pequena e escura construção octogonal. Sete das paredes internas têm esculturas em baixo relevo de cada uma das sete Virtudes, enquanto a oitava é um entalhe - também em baixo relevo - de suplicantes louvando as Virtudes.

O aposento está iluminado com tochas em candeeiros que emitem uma luz bruxuleante por todo o interior sombrio.

Janos e Gabrielle estão sentados lado a lado em simples cadeiras de madeira na parte da frente do salão, oposta à única saída dali. Um guarda está parado junto a essa saída, com uma lança a seu lado. O resto dos guardas esperam do lado de fora.

Bem ao centro do salão, está uma simples e toscamente-cortada mesa de madeira, e sobre essa mesa está Xena vestida apenas com sua muda de roupa. Seus acessórios de couro, sua armadura e suas armas não estão com ela.


Em um canto da mesa, está um GRANDE ESPELHO, refletindo a imagem do salão inteiro, com uma clareza sobrenatural.

Um SACERDOTE ENCAPUZADO, com o rosto escondido por um denso CAPOTE, está parado de pé perto de Xena, com um CÁLICE nas mãos.

JANOS
Os testes que lhe serão dados, Xena, serão tirados
das profundezas de sua própria mente. Você está,
obviamente, ciente da evasão dos sonhos?

XENA
Estou.

JANOS
Não lhe será permitido usar da força, nemdas armas, nem da violência. Se você o fizer,você automaticamente falhará e Gabrielleserá considerada culpada. Entendeu?

XENA
Entendi.

JANOS
Sua amiga não poderá lhe ajudar, Xena.
Você estará nisso sozinha.

XENA
Eu entendi.

JANOS
Que bom. Então vamos começar.

A um aceno de cabeça de Janos, o Sacerdote leva o cálice aos lábios de Xena.

GABRIELLE
Espere!!

Gabrielle começa a levantar, mas é retida pela mão de Janos em seu braço.

GABRIELLE
(para Janos)
O que ele está dando para ela?

Janos sorri.

JANOS
Se eu quisesse Xena morta, eu poderia tê-lamatado a qualquer momento antes disso.

GABRIELLE
Você poderia ter tentado matá-la.


Janos consente, admitindo o ponto.

JANOS
É só um negócio pra dormir, nada mais.

Gabrielle não parece convencida.

Janos suspira, perto de se irritar.

JANOS
(continua)
Você acha mesmo que Xena engoliria
veneno deliberadamente e se permitiria
deixar morrer só para provar um ponto?

GABRIELLE
(mortalmente séria)
Você não a conhece muito bem, conhece?

Janos parece um pouco arruinado com a resposta de Gabrielle, então não reage, fazendo um meneio com a mão.

XENA
(suave)
Está tudo bem, Gabrielle.

Gabrielle se vira para Xena, com um olhar suplicante.

GABRIELLE
Xena...

Xena sorri. É um pequeno, quase triste, sorriso.

XENA
Está tudo bem.

Curvando levemente a cabeça, ela permite ao sacerdote virar o cálice, e engole uma boa quantidade do lancinante líquido.

Então ela se vira de volta para Gabrielle.

XENA
São só ervas de dormir, como ele disse.


Gabrielle relaxa um pouco.

XENA
(continua, meio desarticuladamente)
Te amo, Gabrielle.

Gabrielle sorri, com uma lágrima traçando o caminho pela sua bochecha.

GABRIELLE Eu te amo, Xena.

Xena balança a cabeça, assentindo, e então permite ao sacerdote guiá-la, deitando-a estendida na mesa.

Um momento depois, ela está profundamente adormecida.

FADE OUT.

FIM DO PRIMEIRO ATO

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