sexta-feira, 11 de julho de 2008

Coisa de Rainha - Terceiro Ato

CENA INT. RESIDÊNCIA REAL - MANHÃ

Xena está sentada perto da janela a uma pequena mesa, com o que parecer ser um dos lençóis da cama engenhosamente enrolando em torno de seu corpo.

As cortinas na cama estão ainda fechadas. Na mesa diante de Xena está um jarro de prata e um copo de cerâmica cheio de o que quer que haja no jarro. Há também um prato de pequenos biscoitos, uns inidentificáveis petiscos coloridos que ela cuidadosamente evitou comer, e o que parece os restos de uma versão grega de dois mil anos atrás de um pão doce grudento de passas.

Há uma batida na porta. Xena olha por cima de seu pão doce e lambe habilmente os dedos.

XENA
Sim?

A porta se abre, e um dos homens designados a ela como criado entra.

CRIADO
Bom dia, majestade!

XENA
Mantenha sua voz baixa,
ou não será um bom dia.


CRIADO
(sussurrando)
O Lorde Malcos deseja vê-la.

Xena dá um gole no copo.

XENA
Entendi. Todos têm que
brincar de realeza, não é?

O homem dá de ombros.

XENA
(continua)
Tudo bem. Mande-o entrar.

Ela espera a porta se fechar.

XENA
(continua)
Aposto que sei o que ele quer.

A porta se abre novamente, e Malcos entra. Ele caminha até a mesa onde Xena está, e se curva, depois percebe que Xena está vestida apenas em um lençol e ele por pouco não completa o movimento de aterrissar sua cabeça.

XENA
(continua)
(de forma travessa)
Siiim?

Malcos se recupera.

MALCOS
Majestade, eu gostaria de aproveitar
esta oportunidade para discutir meu
caso com Vossa Majestade.

XENA
Pensei que o tribunal não iria
começar até depois do almoço.

Malcos olha em volta.

MALCOS
Bem, e não começa. Ah...
Onde está sua adorável consorte?

XENA
Adorável co... oh.

Ela olha para a cama.

XENA
(continua)
Dormindo.

MALCOS
Ah. Sim, ontem foi
um longo dia.

XENA
A noite foi mais longa. Alguma razão
de não poder esperar pelo tribunal?


Malcos pigarreia.

MALCOS
Posso me sentar?

Xena reflete.

XENA
Claro.

Malcos se senta do outro lado da mesa de Xena.

MALCOS
Você parece ser uma
mulher do mundo.

As sobrancelhas de Xena se levantam de um salto.

MALCOS
(continua)
Eu gostaria de propor um ajuste
para o meu caso. Um que fosse
vantajoso para ambos de nós.

XENA
Para você e o outro sujeito?

Malcos franze a testa.

MALCOS
Para a senhora e eu,
Vossa Majestade.

Xena se levanta e passeia pelo quarto. Há cinqüenta por cento de chance de o lençol ficar no lugar ou não e Malcos começa a avançar para a beirada da cadeira, segurando os braços como se estivesse imaginando ter essa sorte hoje.

Xena se vira e fica de frente para ele. A frente do seu lençol cai do ombro dela. Ela a apanha e a atira de volta e ele se contorce em sua cadeira.

XENA
Você está dizendo que
quer fazer um acordo?


MALCOS
(aliviado)
Sim. Eu vejo da seguinte maneira...

Malcos se levanta e também caminha. Eles circulam um ao outro lentamente.

MALCOS
(continua)
Procuro uma solução rápida
para o meu problema...

XENA
Você devia pensar em se
mudar para outra cidade.

MALCOS
(ignorando o comentário)
E você parece o tipo de mulher que
apreciaria uma sólida transação
financeira. A Minha oferta é
de quinhentos dinares.

Xena coloca as mãos nos quadris.

XENA
Quinhentos dinares?

MALCOS
(sorrindo)
Pense em todas as adoráveis coisas que você
poderia comprar para a sua... amiga...???

Xena caminha até ele. Ela o agarra firmemente pelo colarinho, e o gira. Então ela caminha com ele erguido nas pontas dos pés até a porta, abre a porta, arremessa-o por ela, e o chuta no traseiro enquanto ele se vai. Ele voa para fora. Xena bate forte a porta, fechando-a. Quando ela faz isso, seu lençol cai no chão.

GABRIELLE
(sonolenta)
Feia.

Xena se vira para ficar de frente para ela. Ela acha que Gabrielle está falando dela. A cabeça de Gabrielle está enfiada para fora, entre as cortinas.

XENA
Como é que É?

GABRIELLE
(pigarreando)
Eu disse que a coisa pode ficar feia.
Você consegue acreditar nessa oferta?

Xena bufa, e vai para a cama, se espreguiçando em cima dela, ao lado de Gabrielle.

XENA
Pois é. Eu pareço tão barata assim?

Gabrielle olha para ela.

XENA
(continua)
Não diga isso se você
quiser viver, barda.


GABRIELLE
Bem, ele é o comerciante manda-chuva.
Tenho certeza de que o resto do
povo não é assim, Xena.

Há uma batida na porta. Xena e Gabrielle trocam olhares. Há outra batida, dessa vez levemente diferente, e na outra porta do quarto. Gabrielle puxa sua cabeça para trás dentro das cortinas e as fecha. Xena cruza os braços. Há mais batidas. Ainda mais batidas se seguem. Xena se levanta e caminha a passos largos na direção da porta.

CORTA PARA:

CENA EXT. RESIDÊNCIA REAL - PEQUENO JARDIM DO LADO DE FORA DOS QUARTOS DE DORMIR

Xena está sentada no jardim. O jardim é um lugar agradavelmente pacífico, com pássaros chilreantes e hera retorcida por toda a parte. No centro, há um tanque de água espelhada com peixinhos dourados, e um banco, no qual Xena está sentada.

XENA
Filho de uma Bacante.

Uma batida soa no portão do jardim. Xena gira e pega uma pedra, erguendo o braço para trás e esperando. O portão se abre lentamente, e ela atira a pedra.

É Gabrielle quem está entrando. Xena abre a boca para dar um grito de aviso, mas Gabrielle evade a pedra facilmente, como se soubesse aonde ela estava indo, e a deixa passar voando por ela através do portão. Ouve-se um grito de dor. Gabrielle fecha o portão e entra.

GABRIELLE
Xena, essas pessoas estão
numa verdadeira encrenca.


XENA
Elas com certeza estarão em uma.

Gabrielle se aproxima e ambas se sentam no banco.

XENA
(continua)
Eu já tive cada maldito homem
mulher e criança desta cidade
tentando me subornar e não está
nem mesmo na hora do almoço.

GABRIELLE
Nem me fala. Eu não quero
mencionar que recebi ofertas
para influenciar você. Eu
podia ficar fora dessa.

Xena olha para Gabrielle, reagindo à última afirmação.

XENA
Você está cogitando essa possibilidade?

Gabrielle se sente altamente insultada, achando que Xena está falando da primeira afirmação.

GABRIELLE
O que? Xena, eu não acho que eu
chegaria a ficar *tão* saturada assim, mesmo
andando com você por aí por todo esse tempo.

Xena olha para Gabrielle em surpresa.

XENA
Que? Por Hades, Gabrielle,
nem eu pensaria nisso.

Gabrielle abre a boca para soltar um insulto, depois pára.

GABRIELLE
Espera um minuto. Do que
nós estamos falando?

XENA
DO QUE? Do que você
acha que estamos falando?


GABRIELLE
De aceitar suborno!

Xena parece perplexa, depois balança a cabeça e cobre os olhos com uma mão.

XENA
Não importa. Apenas vamos lá
acabar logo com esse julgamento.
Eu vou dizer a cada um desses ricos
bastardos que eles perderam e mandar
eles darem seus malditos subornos para
os sujeitos que eles prejudicaram.

Xena começa a se levantar. Gabrielle a agarra pelas costas do vestido e a segura. Xena pára.

GABRIELLE
Espere um minuto.

Xena se vira e faz uma pose de mãos nos quadris, particularmente efetiva, uma vez que ela está usando um vestido com uma saia feita com muitos panos e pregas.

XENA
O que foi?

GABRIELLE
Xena, isso é simples demais.

XENA
Exatamente.

GABRIELLE
Não... quer dizer, sim. Isso iria
consertar o problema este ano,
mas e quanto ao próximo ano?

XENA
Nós não estaremos aqui.

GABRIELLE
Xena.

Xena solta um exasperado suspiro, mas se vira e se senta ao lado de Gabrielle novamente.

XENA
Tudo bem. Você tem
uma idéia melhor?

Gabrielle se inclina para trás sobre suas mãos, e cruza os tornozelos. Ela olha em volta do jardim.

GABRIELLE
Sabe, é realmente
bem bonito aqui.

Xena gira os olhos.

GABRIELLE
(continua)
É incrível o quanto de
esforço essas pessoas
empregam nesta fraude.


Xena grunhe e encolhe os ombros.

GABRIELLE
(continua)
Nós deveríamos encontrar maneiras de solucionar
os casos que façam as pessoas mudarem
de pensamento, Xena. Vamos ver se
podemos fazer uma diferença
permanente para elas.

XENA
Gabrielle, eles são um bando
de imbecis hipócritas. Eles
não merecem que nós
façamos a diferença.

Gabrielle faz uma careta, reconhecendo o ponto.

GABRIELLE
Bem, não, mas eu me sentiria melhor
se tentássemos, pelo menos.

XENA
Seria mais rápido se eu simplesmente
lhes chutasse os traseiros.


GABRIELLE
Eu sei. Seria mais rápido se *eu* lhes
chutasse os traseiros. Eu gostaria de ir
por um caminho diferente desta vez.

Xena fica quieta por um minuto, enquanto pensa nas palavras de Gabrielle.

XENA
(assentindo)
Tudo bem. Venha. Vamos
presidir o tribunal, consorte.

Gabrielle se levanta e se junta a ela.

GABRIELLE
Achei que o tribunal começasse
só depois do almoço, não?

XENA
Este é o meu tribunal, e eu o
começarei quando eu quiser.

Elas deixam o jardim, batendo forte o portão atrás delas.

CORTA PARA:

CENA INT. ESTALAGEM - DIA

Malcos está sentado a uma mesa com dois outros homens. São os mesmos homens da noite anterior.

MALCOS
Estou lhes dizendo, ela vai nos arruinar. Arruinar!

VULTO 1
Então o que você irá fazer
quanto a isso? Ou vocês vão todos
conversar, como o resto deles?

VULTO 2
São os seus bens, Malcos. Se você
perder esse caso, você perderá
tudo. Aquela criança irá tomar
a sua loja, as suas terras...

MALCOS
Cale-se. Vocês acham
que eu não sei disso?
(olhando em volta)
Aqui.

Ele coloca uma sacola na mesa.

MALCOS
(continua)
Eu sei que posso confiar em vocês
para tomarem conta disto pra mim.

Vulto 1 toma a sacola e avalia o peso. Ele assente, e a arremessa para Vulto 2.

VULTO 1
Não se preocupe. Tudo bem,
nós cuidaremos delas.

MALCOS
Das duas! Não me trapaceiem!

VULTO 2
Sim, sim, foi isso que ele
quis dizer. Venha, vamos.

Os dois homens partem. Malcos olha em volta na estalagem quase vazia, verificando para ver se alguém os escutou por acaso. A porta se abre, e Escobar entra.

ESCOBAR
Aí está você! Apresse-se e prepare-se.
O tribunal está começando!

MALCOS
O que? É cedo demais!

ESCOBAR
Diga isso a Sua Majestade.

Escobar parte, batendo a porta atrás dele. Malcos se levanta e corre atrás dele, praguejando.

CORTA PARA:

CENA INT. SAGUÃO DA CIDADE - DIA

Xena se senta sobre a plataforma de julgamento em uma grande cadeira. Gabrielle se senta ao lado dela. Na frente delas, os cidadãos estão se apressando em tentar chegar ao tribunal bem mais cedo do que esperavam.

Dois homens chegam correndo, com uma balaustrada. Eles a colocam entre o último banco do saguão e a porta , dividindo o aposento em dois.

XENA
(em voz baixa)
Imagina para que será isso?

GABRIELLE
Talvez as pessoas com os casos se sentem,
e todo o resto delas fique em pé atrás?


Os cidadãos começam a preencher o local. Quando eles chegam à balaustrada, Escobar ou os passa para dentro das cadeiras ou aponta para um lugar além da balaustrada.

XENA
Sim, talvez você esteja certa.

Gabrielle vira sua cabeça e olha para Xena.

GABRIELLE
Não, não estou.

Xena fica confusa. Ela olha de novo para Gabrielle.

XENA
O que?

GABRIELLE
Pensando em ficar de fora.

Xena olha fixamente para Gabrielle, então se lembra do que ela está falando.

XENA
Ah. Sim. Que bom.
(assentindo)
Que bom.

GABRIELLE
Hum.

O aposento está enchendo. Os cidadãos se esquivam procurando lugar, alguns trazendo evidências de terem se vestido apressadamente. Eles todos parecem um pouco desgostosos. Um dos homens perto da frente era um daqueles que tentou subornar Xena e Gabrielle, e agora ele se senta na frente, com uma camisa de babados, cheio de indignação.

HOMEM
Escobar, isso é ultrajante!
Como você pode modificar a
tradição com uma notícia tão tardia!

Escobar faz careta, e olha para Xena. Xena sorri charmosamente para ele. Atrás da plataforma, duas figuras encapuzadas podem ser vista se aproximando furtivamente das juízas.

ESCOBAR
Ora, ora. Uma pequena mudança é sempre
bom para a alma, Essen. Além disso, talvez
nós possamos terminar isso mais cedo!

Essen bufa. Malcos entra e se arrasta impetuosamente por entre a multidão, empurrando os outros para o lado. Os olhos de Xena se estreitam, especialmente quando ele atira uma jovem criança no chão com sua pressa para chegar até a frente.

GABRIELLE
Xena?

XENA
Sim?

GABRIELLE
Lembra daquela coisa toda
sobre chutar uns traseiros?

XENA
(suspirando)
Sim.


GABRIELLE
Você conhece aquele velho ditado
sobre uma exceção que prova
a verdade da regra?

Xena dá risada. Atrás delas, as figuras encapuzadas se aproximam mais e mais. Há muito barulho no salão, bancos disputados e conversa. Ninguém parece perceber os dois homens rastejando no chão. Eles estão escondidos atrás do banco de julgamento.

XENA
(em alta voz)
Tudo bem. É assim que as coisas vão
funcionar, então escutem bem porque eu não
quero ter que dizer isso mais de uma vez.

Gabrielle sorri, e dá um tapinha na mão de Xena.

GABRIELLE
Você tem um ar de tanta
realeza às vezes.


Os vultos rastejam mais para perto.

XENA
Você...

Ela aponta para Escobar.

XENA (continua)
Chame todos que têm uma
reclamação, e leia qual
tipo de aperto é.

ESCOBAR
Mas... mas... Vossa Majestade, o
costume é que o demandante e
o acusado se levantem e...

XENA
E expliquem por que eu deveria
deliberar em favor de um deles?

ESCOBAR
Sim.

XENA
Esqueça. Comece a ler. Assim
que você parar, eu lhe deixarei
saber qual é a minha escolha.

ESCOBAR
Mas... Você não quer ouvir
os lados deles nisso?

XENA
Não.

GABRIELLE
(suavemente)
Xena.

Xena olha para ela. Gabrielle dá uma cutucada nas costelas de Xena.

XENA
Oh, tudo bem. Mas é melhor
que eles sejam breves.
(pausa)
Eu gosto de coisas curtas*.
*baixinhas, não altas (N.T.)

Gabrielle sorri e lhe dá outra cutucada. Atrás delas, fora da vista da multidão, os homens encapuzados se erguem em seus joelhos. Eles estão segurando um imenso arco com duas flechas nele ao mesmo tempo. Cada flecha está apontando em uma direção levemente diferente, obviamente para Xena e Gabrielle.

XENA
(continua)
Então vamos começar.


A multidão não está feliz. Ou ao menos, metade dela não está. A outra metade, a mais pobre delas, está emperrada atrás da barra, parecendo um pouco animada.

MALCOS
(rigidamente)
Sim, vamos começar.

Os homens nas sombras armam seu arco e o erguem.

FADE OUT.

FIM DO TERCEIRO ATO

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