sexta-feira, 11 de julho de 2008

Uma Coisa Engraçada Aconteceu a Caminho de Potédia - Primeiro Ato

CENA EXT. ACAMPAMENTO - MANHÃ

Gabrielle está muito profundamente adormecida, tendo passado a maior parte da noite afugentando os pesadelos de Xena. Somente com o alvorecer é que ela finalmente consegue fechar os olhos para um descanso altamente merecido.

Xena, por outro lado, está de pé e pronta para o dia. Ela já matou e tirou a pele de vários coelhos e os está fritando na frigideira depois de cobri-los com vários temperos roubados da escondida bolsinha secreta de Gabrielle. Um pote menor está aquecendo água para fazer chá.

Agachada perto do fogo e cutucando o coelho frito com um fino item de metal semelhante a uma espátula, ela funga enquanto percebe o som de alguém tentando entrar sorrateiramente no acampamento.

Sem olhar, ela ergue a espátula, apontando na direção do saqueador ainda escondido da vista.

XENA
Eu não faria isso, se fosse você.

Todos os sons cessam quando o bandido congela em seus rastros, surpreso por ter sido notado.

Um momento depois, ele arrisca se mover adiante novamente, vendo Xena calmamente voltar às suas tarefas de cozinheira.

XENA
(continua)
Eu não estou brincando.

Xena gesticula para trás com a espátula.

XENA
(continua)
Ela fica realmente muito mal-humorada
quando não dorme o suficiente.

O bandido olha além da cobertura de árvores e para dentro do acampamento, onde ele vê Gabrielle pacificamente descansando em uma pilha desordenada de peles. Ele ri e começa a ir em frente novamente.

Xena suspira, embora seus olhos estejam cintilando.

XENA
(continua)
Não diga que eu não lhe avisei.


Sem olhar para cima, Xena habilmente arremessa a espátula, afundando-a no braço do bandido, fazendo-o grunhir e soltar sua arma. Seus companheiros saem correndo passando por ele e para dentro da clareira, com as próprias armas erguidas.

Mergulhando por cima do fogo, Xena gira e se ergue entre dois dos homens, agarrando-os pela frente de suas armaduras que não combinam e batendo a cabeça deles juntas. Deixando um deles cair, ela levanta o outro e o lança por sobre o ombro, onde ele pousa, com um som surdo, à esquerda de uma adormecida Gabrielle.

GABRIELLE
Agora não, Xena.

Gabrielle gira para o outro lado e se aconchega dentro das peles.

Sorrindo, Xena derruba ainda outro atacante com um rápido soco direto no queixo, depois o joga por sobre o ombro, onde ele pousa inconsciente do outro lado de Gabrielle.

GABRIELLE
(continua)
Xena… por favor?

Xena se vira a tempo de evitar ser rasgada pelo bandido líder, que recuperou sua arma e está atacando-a em um golpe desajeitado com a mão esquerda.

Abaixando-se para desviar do ataque, ela se ergue, o vira de cabeça para baixo, e o empurra para trás. Ele tropeça entre a fogueira e aterrissa em um amontoado aos pés de Gabrielle.

Gabrielle já se encheu. Girando para ficar deitada de costas, ela se senta, afastando com raiva as franjas de sobre seus olhos apenas a tempo de ver uma sorridente Xena segurando a frigideira que ela conseguiu resgatar do bandido cambaleante.

Gabrielle olha para seus três convidados, depois olha de volta para Xena. Seus olhos se estreitam, focando na frigideira.

GABRIELLE
(continua)
Você não...


O sorriso de Xena é impenitente.

XENA
Café da manhã?

CORTA PARA:

CENA EXT. TRILHA NA FLORESTA - MEIO DA MANHÃ

O tempo esfriou, e Xena e Gabrielle estão ambas enroladas em seus casacos de pele enquanto viajam descendo pela trilha da floresta. Gabrielle, em consideração a suas recentemente curadas costas e pernas, está montada em Argo enquanto Xena caminha na frente conduzindo o cavalo.

Gabrielle se mexe na sela e suspira.

GABRIELLE
Xena.

XENA
Hum?

GABRIELLE
Nós podemos parar agora? Eu quero
descer e caminhar um pouco.

XENA
Gabrielle, eu sei que você está pensando que eu estou
lhe mimando, mas se você quer chegar em Potedia a
tempo do Solstício, nós precisamos nos mover rápido,
e eu não quero estender demais os seus músculos.

GABRIELLE
Eu sei disso, mas...

Xena pára, se vira e se aproxima de sua parceira, pousando uma mão em seu joelho.

XENA
Se você quer mesmo andar, Eu não vou lhe
deter. Eu só... não quero ver você com dor.

Gabrielle lê muitas mensagens nas feições angustiadas de Xena, e suspira uma vez mais.

GABRIELLE
Okei. Eu suponho que um pouco mais de
tempo neste animal não irá me matar.

Argo relincha, altamente ofendida.

GABRIELLE
(continua)
Desculpe, Argo.

Argo relincha novamente.

Sorrindo, Xena dá um tapinha na perna de Gabrielle, mas antes que ela possa se virar, ela congela, com a cabeça espichada.

GABRIELLE
(continua)
Mais bandidos?

XENA
Seis. Bem à frente.


Gabrielle gira os olhos.

GABRIELLE
O que está havendo? Achei que nós já tínhamos
esgotado nosso requisito de uma luta por dia.

XENA
Aparentemente não.
(pausa)
Gabrielle...

GABRIELLE
(exaltada)
Não me diga para esperar aqui, Xena, porque eu
vou lhe bater na cabeça com meu cajado se você
falar uma só palavra completa desse comando.

Xena sorri.

XENA
Apenas esteja pronta.

O ar está repentinamente vivo com os sons dos homens gritando. Bandidos as atacam, em uma fila única ao longo da estreita trilha.

Rindo para si mesma, Xena agarra o primeiro bandido, o vira e o arremessa na direção de Gabrielle, que efetua parte de sua ameaça anterior e o bate na cabeça com seu cajado. Ele cai em uma poça de lama no chão.

Os bandidos número dois, três, quatro e cinco são despachados da mesma maneira até Argo ficar cercada de homens inconscientes. Ela expressa seu desprazer um tanto ruidosamente.

Balançando a cabeça, Xena agarra as rédeas de Argo e leva tanto o cavalo quanto a amazona para fora do que sobrou dos atacantes.

CORTA PARA:

CENA EXT. VALE ESTREITO E PROFUNDO NA FLORESTA - COMEÇO DA TARDE

Um pequeno córrego, parcialmente congelado, corre através do vale. Argo lambe da água enquanto Xena e Gabrielle embrulham o último de seus lanches leves, preparando-se para voltar à trilha. Enquanto elas o fazem, ambas escutam os sons inconfundíveis de ainda outro grupo de bandidos indo na direção delas.

GABRIELLE
De novo não!

Gabrielle olha para o céu.

GABRIELLE
(continua)
Quem fez xixi no seu
mingau esta manhã?


Os jovens homens, não tão velhos o suficiente para terem barba ainda, irrompem na clareira, com armas em punho. Suas espadas são quase tão longas quanto eles e é óbvio que eles nunca viram um dia de luta em suas vidas.

Xena chuta o primeiro de lado, que passa voando quase em cima de Gabrielle. Ela o desarma facilmente, depois o cutuca por trás com a ponta do sai, fazendo-o sair gritando pela floresta.

Xena golpeia o pescoço do segundo garoto, que instantaneamente cai de joelhos, com uma fina trilha de sangue escorrendo de seu nariz.

Xena se agacha perto dele, com um olhar furioso.

XENA
Você conhece a instrução.

JOVEM
(sufocando)
Trinta segundos... sem sangue... morto...

XENA
Garoto esperto. Tão esperto que tenho certeza que será capaz
de responder minha pergunta sem nenhuma confusão afinal.

O jovem assente.

XENA
(continua)
Por que o repentino interesse em nos atacar?
Há outra recompensa que eu ainda não sei?

JOVEM
S… suave.

Xena olha para Gabrielle, que encolhe os ombros.

XENA
Suave?

JOVEM
Você! Ficou... suave... sem chakram…
fácil de... matar... ficar famoso... por favor!

GABRIELLE
Xena...

Soprando ar em ira, Xena desfaz o golpe no garoto, depois o puxa pela frente de sua convulsão, erguendo-o facilmente a dois pés do chão com nenhum esforço visível afinal.

XENA
Isto parece 'suave' pra você, garoto?


Os olhos do garoto se alargam como dois discos.

JOVEM
Nã-não.

XENA
Boa resposta.

Abanando as mãos, Xena desengancha o chakram da cintura. Ela o ergue para que o jovem possa facilmente vê-lo.

XENA
(continua)
Já que você é tão bom em responder
perguntas, eu tenho outra para você.
Como se chama isso?

JOVEM
O seu chakram.

XENA
Correto de novo. Eu sabia que
você era um garoto esperto.
(pausa)
Entããoo... se este é meu chakram,
o que isso significa?

Silêncio enquanto o jovem homem pensa nisso. A resposta vem a ele e seus olhos se alargam ainda mais, quase parecendo engolir seu rosto de pele de pêssego.

JOVEM
Você voltou!

Xena mostra os dentes em um sorriso jubiloso.

XENA
Correto novamente.

JOVEM
Do D-Deus da Guerra! Você... você
pegou seu chakram de volta com Ares!!

Xena coloca o jovem homem no chão, de pé.

XENA
Parabéns. Você ganhou o prêmio.


JOVEM
Minha… minha vida?

XENA
Bem, isso, e um conselho de amiga.
(pausa)
Volte para casa até ficar velho o
suficiente para se barbear. E, depois disso...

O garoto assente, olhando ansiosamente para ela.

XENA
(continua)
Eu escolheria outra linha de trabalho
se eu fosse você. Você é esperto
demais para ser um bandido.

JOVEM
(feliz)
S-sim, senhora!

Xena se endireita reta e olha para Gabrielle.

XENA
(movimentando os lábios)
Senhora?

Gabrielle cruza os braços e sorri maliciosamente.

XENA
(continua)
Anda, saia daqui antes
que eu mude de idéia.

O jovem homem sai correndo tão rápido quanto suas pernas podem levá-lo, o que é relativamente rápido.

CORTA PARA:

CENA EXT. TRILHA NOS PRADOS - MEIO DA TARDE

Xena e Gabrielle estão caminhando descendo por uma trilha sulcada por uma carroça que teceu seu caminho por um vasto prado. A grama está marrom e quebradiça, e um vendo frio e mordaz sussurra e geme ali. Tremendo, Gabrielle puxa seu casaco mais firmemente em volta dela. Vendo isto, Xena coloca um braço em volta dos ombros de sua parceira e a puxa mais para perto.

Gabrielle sorri para ela.

GABRIELLE
Obrigada.

XENA
O prazer é meu.

As duas ouvem um fraco som surdo e prolongado, e param, olhando para o leste.

GABRIELLE
Lá vamos nós de novo.

XENA
Se eles são atacantes,
há um exército deles.

Outro som fraco alcança seus ouvidos.

GABRIELLE
Pastores de ovelhas?


Argo relincha e se afasta para trás, puxando-se de suas rédeas. Xena e Gabrielle dão um passo atrás a tempo de evitar serem esmagadas por um pequeno rebanho de ovelhas que cruza o caminho delas.

Um momento depois, um jovem garoto pastor aparece e pára na frente delas, se inclinando e ofegando por ar.

PASTOR
Ajudem-me. Oh, por favor, ajudem-me.

XENA
Essas são suas ovelhas?

PASTOR
Sim, e este é meu primeiro dia. Meu pai
me disse para não deixá-las fora do
pasto, mas algo as assustou, e...

GABRIELLE
Tudo bem. Nós entendemos.

PASTOR
Meu pai vai arrancar meu couro se eu as perder, sei
que vai! E elas estão indo para o despenhadeiro!!

Suspirando, Xena solta Gabrielle e se move na direção de Argo.

PASTOR
(continua)
Não! Elas têm medo de cavalos! Com
certeza você vai espantá-las ainda
mais! Oh, meu pai vai me matar!

Balançando a cabeça, Xena entrega as rédeas de Argo para Gabrielle e caminha até o garoto.

XENA
Fique aqui e esteja pronto para arrebanhá-las
quando elas voltarem por este caminho.


PASTOR
Mas como?

XENA
Deixe isso comigo.

Soltando seu grito de guerra, Xena sai correndo atrás das ovelhas fugitivas. Seu grito as assusta, e elas diminuem de velocidade por apenas um momento antes de começar a se moverem novamente. A momentânea hesitação era tudo de que Xena precisava. Ela alcança a retaguarda do rebanho e salta, girando em um arremesso fechado e aterrissando na frente delas, a meros passos da beirada do despenhadeiro. Ela joga os braços para cima.

XENA
(continua)
HAH!!!

Incapazes de parar, as ovelhas colidem com ela, quase a esmagando entre seus corpos fedorentos e retorcidos. Afundando o pé, ela segura a fileira, quase sufocando com o fedor. As ovelhas finalmente fazem uma parada confusa. Os calcanhares de Xena literalmente oscilam na beirada do despenhadeiro, e ela cospe fora uma boca cheia de lã úmida.

Resistindo ao anseio quase opressor de transformar suas indesejadas encarregadas em costelas de cordeiro, ela - em vez disso - empurra as ovelhas líderes de modo a virá-las de frente para onde estão o Pastor e Gabrielle.


XENA
(continua)
Andem! Vão!

As ovelhas olham para ela, berrando.

XENA
(continua)
AGORA!!!

O rebanho se vira todo de uma só vez e começa a correr de volta na direção em que veio. Gabrielle afasta Argo do caminho, e o jovem pastor corre adiante, puxando uma flauta de Pã da sua mochila, e começando a tocá-la.

As ovelhas instantaneamente se acalmam e se aproximam do garoto, cercando-o e balindo felizes.

Xena caminha até o grupo, limpando sujeira de ovelha de seus braços e pernas e parecendo decididamente irritável. Gabrielle se aproxima dela, depois se afasta, abanando o ar na frente do rosto. Xena lhe lança um olhar. Gabrielle sorri.

PASTOR
Obrigado, oh, obrigado!
Você as salvou e a mim também!

XENA
(sorrindo fracamente)
Sem problemas.

PASTOR
Bem, eu tenho que ir agora antes que
meu pai descubra que eu parti.
(pausa)
Ei! Da próxima vez que vocês estiverem por este estreito
da floresta, venham nos fazer uma visita! Nós temos
o maior rancho de ovelhas da área!

GABRIELLE
Nós faremos isso.


PASTOR
Vocês não podem nos deixar passar.

XENA
(secamente)
Eu não imaginei que poderíamos mesmo não.

PASTOR
É só olhar a placa que diz
PEEP. Ele é o meu pai.
(radiante)
Eu sou o Beau.

Dizendo isto, o jovem rapaz sai pulando alegremente de volta para dentro da floresta, levando suas ovelhas perdidas para casa.

CORTA PARA:

CENA EXT. RIBANCEIRA DO RIO - FINAL DA TARDE

Xena e Gabrielle alcançaram um platô relativamente alto na montanha e pararam diante de um largo e congelado rio.

Gabrielle olha duvidosamente para o rio.

GABRIELLE
Acha que o gelo está denso o suficiente
para nos segurar? É um tanto
cedo nessa estação.

XENA
Não é conosco que eu estou
preocupada. É com Argo.


Argo relincha, concordando.

Assim que Xena dá um passo para fora da margem para testar a força do gelo, um som agudo e penetrante é ouvido pelo ar.

GABRIELLE
Isso foi um grito?

Elas olham para cima quando um gigantesco CRACK é seguido por mais gritos aterrorizados.

XENA
Venha!

O par corre ao longo da ribanceira do rio e em volta de uma extensa curva até conseguirem ver a causa da gritaria.

Um grupo de jovens crianças estão a meio caminho no rio, mas uma gigantesca rachadura no gelo as encalhou, tornando impossível se mover adiante ou para trás sem arriscar uma queda nas águas gélidas abaixo da superfície.

Enquanto as duas observam, o gelo racha novamente, deixando o grupo preso em uma massa flutuante e instável de gelo que se agita nas turbulentas e correntes águas. Eles gritam novamente, segurando firmemente uns aos outros para evitar serem arremessados para dentro do rio.

GABRIELLE
Xena!

XENA
Estou vendo. Agüenta aí.

Alcançando suas sacolas na sela de Argo, Xena retira uma longa extensão de corda. Amarrando uma ponta no cabo da sela, ela aperta a outra ponta firmemente em volta de sua cintura. Então ela volta para onde está Gabrielle.

XENA
(continua)
Eu preciso que você fique aqui e guie
Argo pra mim. Certifique-se de que
ela não irá se assustar, ok?

GABRIELLE
Eu não seria de mais ajuda
se eu fosse com você?


XENA
Sim, mas o gelo já está rachado.
Eu não confio de que ele
seguraria a nós duas.

GABRIELLE
Bem, eu peso menos do
que você. Eu deveria ir.

Xena pousa uma mão insistente no ombro dela.

XENA
Gabrielle, por favor. Confie em mim.
O gelo está muito escorregadio. Você
não pode arriscar cair enquanto suas
costas ainda estão curando. Daí eu
teria que ir até lá do mesmo jeito,
para tirar você e as crianças.

Gabrielle olha para baixo e suspira.

GABRIELLE
Eu odeio quando você tem razão.

XENA
Eu prometo. O próximo grupo de crianças
desamparadas que nós encontramos
será todo seu, está bem?

Gabrielle encontra os olhos dela, sorrindo um pouco.

GABRIELLE
Apenas vá em frente. E Xena?

XENA
Hum?

GABRIELLE
Tenha cuidado. Por favor.

Xena sorri.

XENA
Você manda.


Enquanto Xena cuidadosamente caminha para o gelo, Gabrielle olha uma vez mais para o céu.

GABRIELLE
Sabe aquele pedido que
eu fiz à noite passada?
(pausa)
Não era isso o que eu quis dizer.

O céu permanece prudentemente em silêncio.

CORTA PARA:

CENA EXT. RIO CONGELADO - FINAL DA TARDE

Xena desliza cuidadosamente pelo frágil gelo, mantendo seu equilíbrio através de pura sorte e hábil determinação. Dentro de uns momentos, ela chega na massa de gelo. Ela ficou precipitadamente menor enquanto a água corrente a levava do gelo remanescente, dissolvendo-o rapidamente. As crianças amontoadas olham fixamente para ela, com os olhos bem abertos e tremendo. A criança mais velha, um garoto ruivo de cerca de dez anos, se arrasta para cima o melhor que pode enquanto ainda segura os outros.

GAROTO
(suspeitosamente)
Quem é você?

XENA
Meu nome é Xena.

JOVEM GAROTA
A Princesa Guerreira?

XENA
Algumas pessoas me chamam assim.

GAROTO MAIS JOVEM
(escarnecendo)
Você está mentindo. A Princesa
Guerreira é uma velha senhora.

JOVEM GAROTA
É, isso é o que Thomus diz,
e ele sabe de tudo!

XENA
Ele sabe, é?

GAROTO
É. Ele sabe. Ele diz que ele pode
surrar Xena com as duas mãos
amarradas atrás das costas.

O gelo se inclina quando uma forte corrente de água passa por baixo dele. As crianças gritam de terror, e a criança mais jovem, uma garota de não mais que quatro anos, desliza da beirada.

Seus pés sequer têm a chance de tocar a água quando ela é repentinamente arrancada no meio do ar e trazida para o lado de Xena, segura e intacta.

XENA
Tudo bem com você?


GAROTA MAIS JOVEM
Você tem um cheiro engraçado.

Xena suspira enquanto olha para seu casaco coberto de sujeira de ovelha, o qual ela não teve tempo de limpar propriamente.

XENA
(firmemente)
Tudo bem com você?

A garotinha segura o nariz e assente.

Xena se vira de novo para o resto das crianças, ainda amontoadas na massa de gelo que rapidamente diminui. Ela estende os braços.

XENA
Okei, venha. Vamos.

GAROTO MAIS JOVEM
O que?

XENA
Pule. Eu apanho você.

GAROTO MAIS JOVEM
Hã-ãn. Eu estou com medo.

XENA
Vamos. Pule! Você vai ficar bem.

GAROTO MAIS JOVEM
NÃO!

XENA
PULE!

O garoto pula.

Xena o apanha facilmente e o coloca perto da garota que já foi resgatada. Ela olha para ele.

XENA
(continua)
Vê esta corda?

GAROTO MAIS JOVEM
Sim.

XENA
Quero que você a segure bem firme
e a siga até aquela moça bonita
parada bem ali, perto do cavalo.
Você pode fazer isso por mim?

GAROTO MAIS JOVEM
Claro!

XENA
E leve sua amiga, aqui.

GAROTO MAIS JOVEM
(ofendido)
Ela não é minha amiga.
Ela é minha irmã!

XENA
'Tá. Ótimo. Apenas vá.

Enquanto os dois mais jovens cuidadosamente agarram a corda e se dirigem de volta ao litoral, Xena se vira para o resto do grupo.

XENA
(continua)
Estão vendo o que eles estão fazendo? Isso é
o que todos vocês vão fazer também, assim
que chegarem até aqui. Agora venham.
A próxima pessoa da fila, pule.

As crianças se movem em massa, meio pulando, meio caindo nos braços de Xena. Ela consegue apanhá-las e mandá-las pelo caminho.

Todas saem, menos um garoto mais jovem que está amontoado no que resta da massa de gelo, tremendo e chorando deploráveis lágrimas.

GAROTO MAIS VELHO
Esse é Procis. Ele não sabe nadar.

XENA
(irada)
Ele não sabe nadar? O que ele está
fazendo cruzando um rio então?


O garoto abaixa a cabeça.

Xena suspira. Desamarrando a corda de em volta de sua cintura, ela a envolve em torno da cintura do jovemzinho e a amarra firmemente.

XENA
(continua)
Certifique-se de que o resto
deles cruze em segurança.

GAROTO MAIS VELHO
O que você vai fazer?

XENA
Não importa. Apenas vá.

O garoto parte.

Xena devagar e cuidadosamente se solta sobre a massa de gelo, tomando cuidado de ser tão gentil quanto possível para não fazê-la inclinar e enviar a ambos para dentro d'água.

A massa de gelo balança assustadoramente e, assim que Xena pega o garoto, ela se parte ao meio, deixando para trás um pedaço apenas largo o suficiente para Xena ficar sobre ele.

A distância entre a massa e o gelo estável está agora grande demais para Xena meramente caminhar voltando por ela, e sua instabilidade faz uma tentativa de salto ser no mínimo muito perigosa.

Vendo isso, Gabrielle rapidamente arrebanha as crianças para o litoral, agarra seu cajado e desliza pelo gelo, escorregando e patinando e usando o cajado como um ponto de equilíbrio. Dentro de segundos, ela está na beirada da rachadura alargada no gelo.

XENA
Gabrielle! Pegue!

Gabrielle larga seu cajado e apanha a criança a tempo de ver a massa de gelo inclinar e Xena submergir para dentro do rio congelante.

GABRIELLE
XENA!!


Ajeitando o jovem garoto que se contorce, Gabrielle espia pelo buraco no gelo, olhando para baixo dentro das turbulentas águas.

GABRIELLE
(continua)
XENA!!!

Como que intimada pelo grito de Gabrielle, Xena emerge, apóia suas mãos contra o gelo, e arranca seu corpo da água, completamente ensopada e gelada até os ossos.

GABRIELLE
(continua)
Xena! Graças aos
deuses você está bem!!

Xena sorri entre o ranger de dentes.

XENA
É. Ótima.

CORTA PARA:

CENA EXT. BEIRA DO RIO - FINAL DA TARDE

Enquanto as crianças cercam Gabrielle, Xena fica afastada de lado, se secando com uma de suas peles de dormir, depois se enrolando em outra. Ela está úmida, gelada, e fede a ovelha. Em uma palavra, ela está miserável, mas - sendo Xena - está determinada a não demonstrá-lo.

GABRIELLE
Então, digam-me de novo, por que
vocês estavam cruzando o rio?

GAROTO MAIS VELHO
Estávamos indo pegar
frutinhas para o Solstício.

GABRIELLE
Sozinhos? Os pais
de vocês sabem?

GAROTA MAIS VELHA
Nós não temos pais.
Somos órfãos.

XENA
(em voz baixa)
O que os órfãos têm tanto
com o Solstício afinal?


Gabrielle a ouve e pestaneja antes de voltar sua atenção às crianças.

GABRIELLE
Vocês não estavam
fugindo, estavam?

GAROTO MAIS VELHO
Fugindo? Por que nós
faríamos isso?

GABRIELLE
Vocês são bem tratados?

GAROTA MAIS VELHA
Claro! Nós amamos o nosso professor!

GAROTA MAIS JOVEM
É por isso que estávamos indo colher
frutinhas! Ele adora tortas de fruta!

GAROTO MAIS JOVEM
(tristemente)
É. E agora nós não seremos capazes
de fazer uma para ele pro Solstício.

Gabrielle olha para Xena. Depois de um momento, Xena assente. Gabrielle sorri para as crianças.

GABRIELLE
Bem, acho que podemos
ajudar vocês com isso.

Caminhando até Argo, Gabrielle alcança dentro de suas sacolas na sela e tira um embrulho coberto de pano. Voltando para as crianças, ela desenrola o embrulho, revelando uma grande provisão de frutinhas da última estação. As crianças observam admiradas.

GABRIELLE
(continua)
Estas vão servir?

GAROTO MAIS VELHO
Nós não poderíamos ficar com elas.

GABRIELLE
Por que não?

GAROTO MAIS JOVEM
Porque elas são suas!

Gabrielle re-envolve o embrulho e o pressiona entre as mãos do garoto mais jovem.

GABRIELLE
E agora elas são suas. Considerem isso como
um presente de Solstício meu e de Xena.


GAROTA MAIS JOVEM
Verdade?

GABRIELLE
Verdade.

CRIANÇAS
Obrigada! Obrigado!

GABRIELLE
Muito de nada.
(pausa)
Agora, nos dê um segundo e nós os
levaremos de volta para casa.

GAROTO MAIS VELHO
Oh não, vocês não têm que fazer isso.
É direto passando por esta floresta.

GABRIELLE
Tem certeza?

GAROTO MAIS VELHO
Claro que tenho. Afinal, nós
chegamos bem até aqui, não foi?

GABRIELLE
Bom...

GAROTO MAIS VELHO
Nós ficaremos bem. Venham,
meninos. Vamos para a casa.
(pausa)
Obrigado pelo presente de Solstício,
e obrigado, Xena, por nos salvar.

Gabrielle sorri. Xena assente.

GAROTA MAIS VELHA
Feliz Solstício!

GABRIELLE
Feliz Solstício pra vocês.
Fiquem fora de perigo.

CRIANÇAS
Ficaremos!

Depois de observar as crianças partirem, Gabrielle caminha até Xena, que está tremendo dentro do seu amontoado de peles.

GABRIELLE
(suavemente)
Hey.

XENA
Hey.

GABRIELLE
Maneira bastante desgostosa de passar
o dia antes da Véspera do Solstício, né?

XENA
(sorrindo levemente)
Eu vou sobreviver.

Gabrielle sorri.

GABRIELLE
Estas vão ajudar?

Abrindo a mão, ela revela um pequeno tesouro de frutinhas maduras, as favoritas de Xena. O sorriso de Xena se alarga.

XENA
Só se você me as der na boca.

GABRIELLE
Isso pode ser facilmente providenciado.


FADE OUT.

FIM DO PRIMEIRO ATO

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