terça-feira, 15 de julho de 2008

Minha Bela Dona - Quarta Parte

CENA INT. VESTIÁRIO DE LIRA - MANHÃ

Lira está olhando duvidosamente para seu corpo, que agora porta um atraente, embora levemente usado, vestido.

LIRA
Eu não estou muito certa disto, Afar.

AFRODITE
Bem, eu sim. Você parece absolutamente
deliciosa nesse vestido. Quando os
caras olharem para você, eles
vão ter que recolher seus
globos oculares do chão.

Lira dá uma risadinha à essa imagem. Depois fica séria.

LIRA
Eu ainda não tenho certeza.

Afrodite pousa uma mão em seu ombro.

AFRODITE
Docinho, como alguém poderá
apreciar a sua beleza se você a
esconde o tempo todo? Esses trapos
negros que você estava usando poderia
afugentar alguém de medo. Acredite
em mim, você está fabulosa. Eu não
mentiria para você. Eu juro.

Depois de um momento, Lira assente.

LIRA
Ok. Estou pronta.

AFRODITE
Ótimo! Agora lembre-se, olhos
brilhantes, queixo erguido, ombros para trás,
tórax para fora. Você é uma mulher linda
e confiante. Deixe todos os outros
verem isso pra variar, ok?


LIRA
Okei.

Sorrindo, Afrodite abre a porta do vestiário e conduz Lira para fora.

CORTA PARA:

CENA INT. TAVERNA - MANHÃ

Xena e Gabrielle, tendo gastado a maior parte das horas anteriores ao amanhecer fortificando os perímetros e exercitando os em-breve combatentes, estão para sair caminhando mais uma vez até a retranca quando a porta se abre e Afrodite conduz Lira para dentro. Os olhos de Gabrielle se alargam em choque e apreciação. Até Xena parece impressionada.

Fiel à promessa de Afrodite, os homens na sala apresentam seus próprios olhares de admiração e apreciação para a jovem mulher, fazendo seu sorriso se alargar e sua confiança crescer.

Localizando Xena e Gabrielle, Afrodite se irradia e faz seu caminho até a dupla.

GABRIELLE
Afrodite! Ela está maravilhosa!

AFRODITE
(orgulhosa)
Ela está, não está?

GABRIELLE
O que você fez?

AFRODITE
(descontraída)
Oh, um pouquinho disto, um pouquinho
daquilo. Você sabe, conversa de garotas.

Ela olha para Xena.

AFRODITE
(continua)
Ou talvez você não saberia.

Xena dá um sorriso malicioso e Gabrielle ri suavemente. Todos observam enquanto Lira segue com suas obrigações com a confiança e o equilíbrio que ela costumava possuir nos ombros antes do ataque que lhe tirou o irmão.

GABRIELLE
Eu não consigo acreditar. Ela nem
parece ser a mesma mulher.


Afrodite sorri e lança um significativo olhar para Gabrielle.

AFRODITE
Às vezes você só precisa de
uma amiga para te ajudar a
recuperar o ânimo, sabe?

Gabrielle sorri, depois fica séria quando a porta de saída se abre e Falin entra com um grupo de amigos seus. O trio observa enquanto os homens primeiro fitam Lira estupefatos, um a um, virando-se e sentando às suas mesas costumeiras sem qualquer comentário.

Para próprio crédito, Lira passa por cima da ostensiva rejeição, continuando a carregar-se de orgulho e confiança.

Afrodite, por outro lado, parece devastada.

AFRODITE
Não compreendo! O que aconteceu?

XENA
O idiota tem pedras na cabeça.


Balançando a cabeça, Xena se vira e caminha para fora da taverna. Gabrielle envolve um breve braço em volta da cintura de Afrodite, em um abraço conciliatório.

AFRODITE
Que perdedor! Faço uma
cortesia da Deusa do
Amor, e ele a ignora.

GABRIELLE
Talvez, mas veja.

Seguindo a direção indicada, Afrodite observa enquanto Lira continua com suas tarefas, negociando amigavelmente, rindo e confiantemente brincando com seus fregueses. Sentindo a atenção de Afrodite, Lira olha para cima, enfia uma mecha de cabelo atrás da orelha, e sorri, com os olhos reluzindo com uma felicidade que não tem sido vista há anos.

GABRIELLE
(continua)
Você fez bem, Afrodite.

Radiante, Afrodite cruza os braços sobre o peito e olha fixo.

CORTA PARA:

CENA EXT. CIDADE - POUCO ANTES DO MEIO-DIA

Com o sol quase diretamente acima das cabeças, a cidade está silenciosa e esperando. Homens com espadas e portadoras de cajados se acocoram atrás de fardos de palha enquanto os arqueiros, escondidos atrás das carroças viradas, esperam pelo sinal de Xena. Xena e Gabrielle se separaram. Xena está à esquerda do portão, Gabrielle à direita. Espiando por cima da barricada, Xena pode ver a poeira que se ergue dos cascos de tempestuosos cavalos.

Xena levanta o braço. Gabrielle copia seu movimento.

XENA
(suavemente)
Calma... calma...

Os cavalos podem ser ouvidos agora, e quando os invasores surgem à vista, Xena percebe que o grupo é mais perto de cinqüenta do que de vinte. Ela lança um olhar para Gabrielle, que assente.

XENA
(continua)
Calma... calma ainda...

Os invasores se espalham e começam a se afunilar na direção do portão.

XENA
(continua)
AGORA!


Dos dois lados do portão, arqueiros se erguem de seus esconderijos e deixam voar suas flechas. Ouvem-se os gritos de homens e cavalos. Xena lança seu chakram, e ele se divide na direção do grupo, derrubando cinco homens antes de voltar à sua mão.

GABRIELLE
AGORA!

O segundo grupo de arqueiros se ergue e solta suas flechas também. Mais homens e cavalos caem. O resto do grupo, ainda quase quarenta fortes, surge adiante. Cavalos gritam quando suas frágeis pernas entram em contato com as pontas afiadas. Empinando-se, eles atiram seus cavaleiros, e se forma um bloqueio de congestionamento à boca do portão.

XENA
Homens com espada, em frente!

Quando o primeiro atacante escala para fora da confusão, os homens de espada convergem até ele, cortando-o rapidamente ao chão. Mais homens começam a fluir na direção do portão, e suas habilidades superiores logo viram a batalha a favor deles.

GABRIELLE
Portadoras de cajado, em frente!

Com seu próprio cajado, Gabrielle salta dentro da rixa, derrubando seus atacantes com facilidade. Vendo seu exemplo, as outras mulheres se investem com confiança, surrando os homens que correm na direção do portão.

CORTA PARA:

CENA EXT. CAMPO DE BATALHA - DIA - PONTO DE VISTA DE XENA

De costas para uma carroça virada, Xena ataca seis homens no semi-círculo em volta dela. Ela facilmente desvia suas investidas quase toscas, depois deliberadamente se abre para um ataque de um homem diretamente diante dela. Enquanto ele cai na isca, ela varre a espada dele para o lado e mergulha sua própria fundo em seu estômago. Os outros caem em cima dela, levando-a ao chão. Ela os atira para fora, desabilitando um secundo e terceiro com violentos golpes no estômago e nas pernas.

CORTA PARA:

CENA EXT. CAMPO DE BATALHA - DIA - PONTO DE VISTA DE GABRIELLE

No meio mais denso da batalha, Gabrielle usa seu cajado com elegante destreza, girando-o tão rapidamente que ela consegue fazer um dos atacantes ficar atordoado, o que lhe dá uma fácil abertura para um golpe duplo no queixo. Ele cai como uma pedra e fica no chão. Dando uma rasteira em um segundo homem, ela observa enquanto ele cai sobre um terceiro, deixando ambos inconscientes por um momento.

Girando, ela procura por outro oponente, e se dirige até onde as mulheres estão tentando aparar os golpes de cinco homens.

CORTA PARA:

CENA INT. ENFERMARIA - DIA

Os primeiros gravemente feridos na guerra estão sendo trazidos para dentro, contundidos, machucados e sangrando. Um curandeiro de idade avançada usa as mãos para indicar os lugares a seus pacientes. Lira vai direto ao trabalho. Afrodite, de olhos arregalados, fica de lado, fitando.

LIRA
Afar?

Afrodite continua a encarar enquanto um homem grita de agonia, com a perna quebrada em vários lugares e sangue jorrando de um buraco do lado dele.

LIRA
Afar! Sai dessa, tome uma atitude!
Nós precisamos de ajuda!

AFRODITE
Eu...

LIRA
Depressa!

Pestanejando, Afrodite balança a cabeça levemente e, mordendo o lábio, caminha hesitantemente adiante.

AFRODITE
O-o que eu posso fazer?

LIRASegure este pano sobre a ferida dele.
Pressione firme. Nós precisamos parar o
sangramento, e não posso fazer isso com esta mão.

Estremecendo, Afrodite lentamente estende a mão, toca o pano já coberto de sangue, puxa a mão pra fora, depois o toca novamente.

LIRA(encorajando-a)
Bom. Muito bom. Empurre
um pouco mais forte. Assim.

AFRODITE
(em voz baixa)
Sangue. Repulsivo.

LIRA
O que disse?

AFRODITE
Nada. Eu estou bem... acho.

Lira sorri.

LIRA
Você está indo bem.

CORTA PARA:

CENA EXT. CAMPO DE BATALHA - DIA

Xena e Gabrielle estão lutando uma de costas pra outra.

XENA
Já está se divertindo?

Ela esmaga o cabo de sua espada no rosto de seu atacante, reordenando os dentes dele, depois soca outro para longe com um rápido direto no queixo.

GABRIELLE
Uma festa!


Ela dá um golpe violento no rosto de um homem, a parte de trás de seu cajado se enfia no estômago de outro, e um golpe por sobre o ombro atinge a cabeça de um terceiro.

CORTA PARA:

CENA INT. ENFERMARIA - DIA

Falin é trazido para dentro por dois carregadores de maca. Ele está consciente, mas está sangrando gravemente de um corte em sua coxa. O curandeiro acena com a mão e Lira sai correndo, já segurando alguns trapos de pano contra seu peito. Afrodite parece um pouco desgastada, e observa com interesse de sua posição perto da próxima cama, tocando de leve com um pano fresco a cabeça de uma mulher febril.

CURANDEIRO
Remova o máximo de sangue dele
que você puder. Eu preciso ver
o quão grave a ferida é.

LIRA
Sim, Hester.

Abrindo os olhos, Falin olha para a mulher ternamente limpando o sangue da sua perna. Seus olhos se encontram. Lira sorri. Falin deliberadamente se vira.

O coração de Afrodite se aperta diante da ostensiva rejeição, mas se dilata à silenciosa dignidade que Lira apresenta enquanto cuida do homem.

Um momento depois, Lira se afasta, permitindo ao curandeiro assumir. Afrodite se levanta de seu local no chão e caminha até Lira, colocando uma mão em seu ombro.

AFRODITE
(suavemente)
Você é uma dama de primeira classe.

Lira ri silenciosamente para não incomodar os pacientes.

LIRA
Obrigada.
(pausa)
Você me ajudou a ver coisas em mim
que eu achei que estivessem ido
embora pra sempre. Eu não sei como
serei capaz de te agradecer.

AFRODITE
(sorrindo)
Esqueça isso. É o que os amigos
fazem uns pelos outros, certo?


O sorriso de Lira se alarga.

LIRA
Certo, amiga.

Elas compartilham um breve abraço.

AFRODITE
Agora, se você não se importa,
eu vou ver como as coisas
estão lá do lado de fora.

LIRA
Por favor, tenha cuidado.

AFRODITE
Conte com isso. Até mais tarde!

CORTA PARA:

CENA EXT. CAMPO DE BATALHA - DIA

A batalha está perto do fim. Muitos dos atacantes jazem mortos ou desabilitados pelo chão sangrento. Outros ainda viraram as costas e fugiram. Xena está lidando com um grupo de cinco homens em seu estilo usual, batendo neles com a espada, os pés e os punhos.

Gabrielle, por sua vez, não está indo completamente bem. Agachada sobre uma mulher caída, ela está tentando estancar o sangue que vem do meio da mulher com uma mão enquanto tenta lutar com dois valentões vestidos de couro com a outra, a qual segura um único sai.

Aflita, Afrodite olha em volta procurando uma forma de ajudar sua amiga. Avistando uma pedra perto dali, ela a apanha e a ergue para o soldado. Sendo Afrodite, é mais um arremesso de menina, e o soldado percebe apenas o suficiente para fixar nela um olhar que promete que ela será a próxima, antes de ele se virar para voltar a atacar Gabrielle.

Quando o sai restante de Gabrielle é arrancado de sua mão, Afrodite fica desesperada. Olhando em volta para se certificar de que não está sendo observada, ela faz a única coisa na qual consegue pensar. Discretamente sacudindo os dedos de ambas as mãos, ela atira fagulhas cor-de-rosa e prateadas na direção dos dois atacantes.

Soltando as espadas, eles se endireitam, olham um para o outro, e começam a se beijar apaixonadamente enquanto Gabrielle os fita, completamente aturdida.

Depois de um momento, ela olha por sobre o ombro e lança um olhar incrédulo para Afrodite, o qual Afrodite retribui com um sorriso envergonhado.

AFRODITE
Não faz mal se eu usar
minha urucubaca de amor
nos caras maus, certo?

Gabrielle não consegue evitar um riso enquanto pula de pé novamente e facilmente levanta a mulher caída de pé também. Afrodite sai correndo até elas e ajuda Gabrielle a estabilizar a mulher cuja ferida parece pior do que realmente é.

GABRIELLE
Você é incrível. Você
salvou a vida de nós duas.
Você sabe disso, certo?

AFRODITE
'Tá, 'tá, eu sou, tipo, uma
verdadeira heroína. Agora
vamos levá-la para dentro.

Antes que elas possam se mover, uma poderosa aclamação se ergue quando Xena afugenta o último dos atacantes da cidade... exceto pelos dois que ainda estão se beijando.

GABRIELLE
(suavemente)
Hum… talvez não seria melhor se
você tirasse aquilo deles agora?

AFRODITE
Com certeza!

Outro meneio de dedos e os homens imediatamente se afastam, um encarando o outro, e dão um cuidadoso passo atrás. Então, lembrando de que eles deveriam estar em uma batalha, eles se curvam para recuperar suas espadas. Aquele que Afrodite atingiu com uma pedra a avista e grunhe, caminhando adiante.

Até que Xena caminha para a frente dele, brandindo sua própria espada e um sorriso frio o suficiente para lhe fazer congelar.

Junto aos calcanhares dela, o resto da cidade se aproxima.

Os homens engolem seco e soltam suas espadas novamente.

XENA
Garotos espertos.
(pausa)
Se vocês quiserem continuar a ser garotos
'respirantes', você farão algo para mim.


Ambos homens assentem.

XENA
(continua)
Eu quero que vocês voltem ao
dono de vocês, como os bons
cachorrinhos que são, e entreguem
uma mensagem para mim.
Fui bem clara?

Ambos homens assentem novamente.

XENA
(continua)
Que bom. Diga a ele que Xena lhe
manda lembranças, e que se ele quiser
ver um simples caroço de azeitona como
tributo, ele terá que voltar com o próprio
traseiro aqui antes do sol se pôr esta noite.
Caso contrário, eu vou atrás dele, e
isso não será muito agradável.
Entendido?

Outro vez eles assentem.

XENA
(continua)
Então saiam daqui antes
que eu mude de idéia.

Apenas poeira se vê enquanto os homens correm para fora da cidade e de volta ao acampamento tão rápido quanto suas pernas possam carregá-los.

CORTA PARA:

CENA INT. ENFERMARIA - COMEÇO DA NOITE

A enfermaria está quieta, e quase vazia. A maioria dos feridos foi para casa para convalescer em suas próprias camas. Apenas os mais seriamente prejudicados continuam para trás. Eles estão limpos, confortáveis, e obviamente bem tratados.

GABRIELLE
Você fez um trabalho
fantástico aqui, Lira.

Lira sorri.

LIRA
Obrigada, mas eu não teria sido
capaz de fazer nada disso se não
fosse pelo Curandeiro e por Afar.

CURANDEIRO
(concordando)
Aquela foi uma dádiva dos deuses.

Xena e Gabrielle compartilham olhares diante do trocadilho não-intencional.


CURANDEIRO
(continua)
Ela limpou os ferimentos,
me ajudou com minhas suturas,
e até confortou os homens para que
eles sequer gritassem quando eu estava
cuidando deles. Nós poderíamos ter
perdido muito mais vidas sem
ela aqui, e isso é um fato.

Com um sorriso largo, Gabrielle olha para Afrodite.

GABRIELLE
Então, como você se sente
sendo a heroína do dia?

Em vez de responder, Afrodite meramente sorri com um silencioso orgulho que é uma renúncia imensa de sua costumeira vaidade. Gabrielle não consegue evitar de sorrir de volta, orgulhosa de sua amiga e do quanto ela está crescida. Mesmo coberta de sangue e sujeira, com seu cabelo caindo em anéis suados, ela nunca pareceu mais linda que agora.

O momento de paz é quebrado pela abertura da porta.

SAMOS
Xena! Ele vem!
Katos vem!

XENA
Tudo bem então. Pessoal, vocês
fiquem aqui. Gabrielle, vamos.

CORTA PARA:

CENA EXT. PÁTIO - INÍCIO DA NOITE

Com seu exército parado atrás dele, Katos se aproxima do portão com um homem gigante cavalgando ao lado dele. O próprio Katos é careca, gordo, e vestido em uma alarmante variedade de sedas coloridas, nenhumas das quais combinando.

Ao portão, ele desce com dificuldade de seu cavalo, seguido por seu segundo homem no comando, que parece ter uns 2.13 metros de altura e largo como um tronco de árvore. O senhor da guerra se aproxima do portão, rindo.

KATOS
Ora, ora, ora, se não é a
grande Xena. Parece que meus
lacaios não estavam mentindo.
(pausa)
Que pena que eu os matei.

Ele ri novamente, segurando sua protuberante barriga que sacoleja como geléia abaixo da fina seda que a cobre.

XENA
Eu tenho a duvidosa honra de estar
falando com Katos o Cruento?


KATOS
Cruel. É ‘Cruel’, Xena.

Xena dá de ombros.

XENA
Dá na mesma.

Katos ri.

KATOS
Você é uma atrevida insolente, não é?
Eu vou me divertir muito arrancando isso
de você antes de te cortar em pequenos
pedaços para alimentar meus cachorros.

XENA
Tenho certeza que sim. Só que você
terá que me derrotar em batalha primeiro.

KATOS
Derrotar você? Em batalha? Aparentemente
você tem noções muito antiquadas de como
nós resolvemos as coisas, Xena. Não,
eu não vou lutar com você. Você não
vai lutar comigo. Seu subordinado,
seja quem for tal azarado diabo,
é quem irá lutar contra...

Ele balança um extravagante braço na direção do gigante.

KATOS
(continua)
...o meu.

XENA
É assim?

KATOS
Oh sim! Sim. Certamente que é.
(pausa)
Então, onde está o homem
desventurado o suficiente para
se intitular ser o seu segundo?

Antes que Xena possa dizer qualquer coisa, Gabrielle dá um passo à frente.

GABRIELLE
Esse seria eu.


KATOS
VOCÊ?!?!?

O senhor da guerra ri tanto que seu rosto começa a ficar roxo e as veias se levantam em sua cabeça careca como se fossem fios vivos.

Gabrielle pacientemente espera o acesso de riso passar, com uma aparência de refinado interesse em seu rosto.

KATOS
(continua)
Oh, me desculpe, me desculpe.
Eu nunca soube que você
era tão traquinas, Xena!

XENA
Eu não sou.

KATOS
Mas... ela?!?

XENA
Ela.

KATOS
Certamente você está...
você não está brincando.

Gabrielle sorri docemente.

GABRIELLE
Não, ela não está. Agora se nós
pudéssemos ir logo com isso?

Depois de um momento, Katos dá de ombros.

KATOS
O funeral é seu. Se eu vencer,
eu irei possuir esta cidade
e você com ela, Xena.

XENA
E se Gabrielle vencer...

Katos bufa em gargalhadas.

XENA
(continua)
Não apenas você irá deixar esta
cidade em paz no futuro, mas também
irá protegê-la de qualquer outro
opressor que queira atacá-la
por todo o tempo em que
você tiver um exército.


Katos olha para ela, de olhos arregalados.

XENA
(continua, descontraída)
Ao menos que você não ache
que o seu homem é bom
o suficiente, claro.

Katos olha para o homem dele, depois de volta para Xena. Ele despreocupadamente abaixa a mão entupida de anéis feitos de jóias.

KATOS
Certo, certo.

XENA
Temos um trato, então?

KATOS
Certo. Vamos logo acabar com
isso. Eu tenho uma extorsão
e uma pilhagem a planejar.

Xena acena com a cabeça para Gabrielle, que retribui o aceno com um rápido e confiante sorriso.

O homem desembainha sua espada, mas antes de ela estar completamente fora de sua bainha, Gabrielle se arma com ambos os sais. Ele sacode sua imensa arma para ela. Usando seu tamanho bem menor que o dele, ela se desvia abaixo das investidas, caminhando adiante e golpeando-o no estômago com o cabo de seus sais.


Ele parece não sentir isso quando reverte a agarrada em sua espada e tenta um golpe para baixo. Gabrielle bloqueia o golpe, pegando a lâmina em seus sais e girando-a para fora. Ele vem até ela novamente; ela o bloqueia de novo e de novo, rapidamente na defensiva enquanto a força superior dele a empurra mais e mais para trás.

Invertendo a lâmina, ele tenta um murro com o punho da espada na cabeça dela. Ela se afasta o suficiente para que o ataque colida com seu ombro, mandando-a ao chão. Com uma hábil cambalhota para trás, ela está de pé novamente, conseguindo avançar com a parte superior da mão em uma impressionante série de socos e chutes que fazem ele rodar para trás vários passos até que suas costas atinjam uma carroça virada e ele comece a ir para a frente novamente, balançando sua espada com ágil destreza.

Gabrielle traz seus sais para cima em um perfeito bloqueio, apanhando firme e confortavelmente a espada dele. Com um grunhido, ele arranca sua espada, trazendo as próprias armas de Gabrielle junto. Sorrindo levemente, ele se move para a matança.

Sem pestanejar, Gabrielle bate o pé no chão, e um cajado descartado salta em suas mãos bem a tempo de ela bloquear o golpe e enviá-lo de volta por onde veio, o que o faz cambalear apenas levemente. Gabrielle toma vantagem se movendo rapidamente, atingindo-o golpe após golpe em seus braços, peito e barriga. Um chute de seu pé faz ele se ajoelhar e curvar-se e ele só evita de cair agarrando-a em um gigante abraço de urso.


Grunhindo, ela o empurra para fora, e ele reúne suas forças para um golpe final e mortal.

Apenas antes da decapitante investida colidir com ela, Gabrielle se abaixa em um perfeito split *, e enterra a base de seu cajado improvisado justamente entre suas pernas.
* acrobacia que consiste em sentar no chão com as pernas abertas em direção oposta (NT).

Com um grito agudo quase feminino, ele cai de joelhos, com as mãos em concha na virilha. Pulando de pé, Gabrielle pressiona seu cajado contra o peito dele, empurrando-o para trás e deixando-o ali.

KATOS
Acabe com ele! Acabe com ele!!

Gabrielle olha para cima.

GABRIELLE
Eu não mato ao menos que
eu tenha uma razão pra isso.


KATOS
Ótimo! Então eu vou...

Suas palavras e seu golpe de espada são interrompidos por uma lâmina muito mais larga que primeiro o desarma e depois se posiciona habilmente abaixo de seu queixo.

XENA
Quanto a mim? Eu não preciso de uma razão.
(pausa)
Nós estamos entendidos?


Engolindo seco, Katos assente cuidadosamente.

XENA
Que bom. Gabrielle venceu.
Você vai manter sua parte
do contrato?

Embora ele pareça que quer recusar, a afiada ponta da espada o força a mudar de idéia. Engolindo convulsivamente, ele assente novamente.

XENA
(continua)
Apenas para me certificar que vai.
Porque se eu descobrir que
você voltou atrás...

Ela empurra a ponta apenas o suficiente para fazer um pingo de sangue fluir.

XENA
(continua)
...eu voltarei. E eu
estarei muito brava.

KATOS
Eu... não vou. Eu juro!

Depois de um longo momento, Xena retira sua espada e Katos ofega por ar, esfregando a área em seu pescoço.

XENA
Agora caia fora daqui antes que
eu mude de idéia e corte você
em tiras só porque eu quero.

Com diligência, o senhor da guerra se vira e está pronto para montar em seu cavalo e ir embora, mas não sem antes chutar seu ex-subordinado.

KATOS
Não me mostre sua
cara de novo, ou você
será um homem morto.

Então, saltando à bordo de seu cavalo, ele parte tempestuosamente, com o resto de seu exército o seguindo.

A aclamação dos cidadãos é quase ensurdecedora e, com um pequeno sorriso, Gabrielle se ergue de pé e ajuda o homem que ela acabou de derrotar a se levantar também.

HOMEM
(com o olhar para baixo)
Eu sou seu prisioneiro.

GABRIELLE
Eu... não acho que isso
será necessário.

HOMEM
(chocado)
Mas... mas... eu teria lhe
matado se eu pudesse!

GABRIELLE
Você quer me
matar agora?


Soltando seu cajado, ela abre largamente os braços.

GABRIELLE
Você pode se quiser.

O homem balança a cabeça.

HOMEM
Não. Não posso. Mas...
eu sou seu inimigo.

GABRIELLE
Qual o seu nome?

HOMEM
Mikos.

GABRIELLE
Olá, Mikos.
Eu sou Gabrielle.

Eles apertam as mãos.

GABRIELLE
(continua)
Não somos mais inimigos.

Mikos parece aturdido. Gabrielle ri e lhe dá um tapinha nas costas.

GABRIELLE
(continua)
Não se preocupe.
Você vai se acostumar com isso.

CORTA PARA:

CENA EXT. PÁTIO - NOITE - PONTO DE VISTA DE AFRODITE

Ouvindo a aclamação, Lira e Afrodite, que estão limpas e vestidas em roupas frescas, caminham para fora da enfermaria para testemunhar a celebração.

AFRODITE
Nós conseguimos, é?
Que legal.

Quando ela percebe que não está recebendo uma resposta, ela se vira para olhar para Lira. A jovem mulher está congelada no chão como se enraizada ali, olhando fixo adiante. Seguindo a linha do olhar da mulher, Afrodite percebe um alto, um gigante de um homem, sendo auxiliado por Gabrielle. Um sorriso conhecido cruza seu rosto.

AFRODITE
Lira? Alô, Terra para Lira.

Lira pestaneja.

LIRA
Desculpe. O que disse?

AFRODITE
Você não acha que deveria
ir até lá e ajudá-lo?

LIRA
O quê?

AFRODITE
Você sabe, machucado,
sangrando. Ajuda?

LIRA
Oh. OH. Ajuda!

Agarrando um trapo limpo da mão de Afrodite, Lira caminha entre a confusa e celebrante multidão, na direção de Mikos, que congela no momento em que pousa seus olhos nela.

LIRA
Você está ferido. Deixe-me
cuidar de seus ferimentos.

MIKOS
(suavemente)
Você é a mulher mais
linda que eu já vi.

Ele se ajeita.

MIKOS
(continua)
Oh. Desculpe-me. Foi presunçoso
de minha parte dizer isso.

Lira sorri timidamente.

LIRA
Está tudo bem. Não me importo.
Posso cuidar de seus ferimentos?

MIKOS
Oh não, minha senhora. Eu
posso cuidar de mim mesmo.


LIRA
Por favor. Eu gostaria
de ajudar. Eu...

Levantando sua mão mutilada, ela começa a abaixá-la, mas antes que ela o faça, Mikos a toma pelo pulso e a traz a seus lábios, dando um terno beijo na carne mutilada.

MIKOS
Eu ficaria honrado,
minha senhora.

Os dois caminham na direção da enfermaria de braços dados, passando por uma radiante Afrodite.

A multidão então se junta carregando Gabrielle nos ombros, e se dirige à taverna para uma celebração muito merecida.

FADE OUT.

FIM DO QUARTO ATO

CONCLUSÃO

FADE IN:

CENA EXT. CERCANIAS DA CIDADE - PÔR DO SOL

É o dia seguinte à vitoriosa batalha, e a festa está ainda à toda força. Nas cercanias da cidade, Afrodite permanece em um recanto silencioso observando o sol se pôr baixo no céu. Em uma ironia, ela reconhece que está realmente desfrutando da paz, do silêncio e da solidão agradável do momento.

Um ruído suave de passos e Xena aparece ao lado dela. Elas trocam um silencioso olhar, depois ambas viram suas cabeças de volta ao céu, observando enquanto o sol deixa sua última trilha de cores.

Afrodite se vira para Xena, examinando seu perfil.

AFRODITE
Dói olhar para você
às vezes, sabia?

Xena se vira para ela, com uma sobrancelha erguida.

AFRODITE
(continua)
Há tanto dele aí dentro.
Seu fogo, seu temperamento, até
mesmo sua expressão. Sinto falta disso.
(pausa)
Sinto falta dele.

XENA
(sombria e tristemente)
Parte de mim sente a falta dele também.


Afrodite assente.

AFRODITE
Eu sei.

O silêncio cai entre as duas novamente. Afrodite parece reunir sua coragem.

AFRODITE
(continua)
Sabe, eu estava realmente irada com
você, Xena. Principalmente irada.
Quer dizer, você tinha tudo; sua
alma gêmea, sua filha, tudo.
E você tirou a única coisa que
me restava. Simplesmente... a
levou embora, a jogou fora como
se não significasse nada para você.

XENA
Afrodite, eu...

AFRODITE
(interrompendo Xena)
Eu não entendia, sabe? Eu não
entendia como você podia ser assim.
Isso simplesmente, tipo, não fazia
qualquer sentido para mim afinal.
(pausa)
Mas agora, eu acho que faz. Um pouco.

A sobrancelha de Xena se ergue novamente. Afrodite ri.

AFRODITE
(continua)
Ar costumava fazer muito isso também.

XENA
Hum.

AFRODITE
Enfim, o que estou tentando dizer é
que talvez eu tenha aprendido alguma
coisa. Talvez eu tenha aprendido que
os deuses podem ser bastante
cheios de si na maioria das vezes.

Xena lhe lança um olhar.

AFRODITE
(continua)
É, algo assim, certo?
Mas eu realmente não sabia!
Tipo, é o que eu faço, sabe?

XENA
Uma das frases favoritas de Ares.

Afrodite ri.

AFRODITE
É, bem, tal irmão, tal irmã. Mas
eu nunca percebi que o que eu faço
podia magoar vocês, caras. Eu nunca
realmente pensei nisso. Eu estava apenas
fazendo meu trabalho, porque é quem eu sou.

XENA
(pensativa)
Eu acho que Ares percebeu isso, uma vez.

AFRODITE
É, não foi legal o jeito em que ele
resgatou a Gabi e a tua filha? Ele
fez uma coisa preciosa, não fez?

XENA
Sim, ele fez.


O sorriso de Afrodite lentamente desvanece.

AFRODITE
Mas então você devolveu a ele
sua deidade, e ele se esqueceu da
maioria das coisas que aprendeu.
(pausa)
Eu não esquecerei, porém. Quer dizer, o
que aconteceria se eu tivesse simplesmente
ignorado a Gabi e lançado meu pó do amor
naquele perdedor do Falin? Lira poderia
nunca ter sido capaz de estar com, tipo, seu
verdadeiro amor. Eu nunca me esquecerei
de algo assim. Nunca mesmo.

O silêncio cai novamente, até que Xena comece a falar.

XENA
Afrodite, eu quero que você saiba que,
se houvesse outra maneira, Gabrielle
e eu a teríamos escolhido.

Afrodite sorri e empurra Xena com o ombro.

AFRODITEEu sei, Xena. Eu posso não ter entendido
isso antes, mas agora sim. Vai levar um
pouco mais de tempo para eu lidar bem com
isso tudo, mas... eu sei que vou ficar bem.
Eu sou a Deusa do Amor, afinal.

Gabrielle entra na clareira e dá a ambas um sorriso.

AFRODITE
(continua)
Oi, docinho! Como estão
as coisas lá na festa?

GABRIELLE
Barulhentas. E aqui?

Afrodite dá um sorriso para Xena, o qual Xena retribui em plena medida.

AFRODITEOh, eu acho que temos as
coisas bem sob controle aqui,
certo, criança-guerreira?

XENA
Ceeerto.

AFRODITE
Então, e vocês, garotas?
Prontas para partir?

GABRIELLE
Acho que sim. E você?


AFRODITE
Acho que vou ficar por aqui por um tempo.
Quer dizer, Lira provavelmente vai precisar
de umas dicas de amor da mestra. Além
disso, eu meio que vou me meter a dar
um passeio por essa coisa de mortal.

GABRIELLE
Você vai chegar a contar a eles
quem você é de verdade?

AFRODITE
Hum, provavelmente. Mas não por
enquanto, porém. É bem legal ser
tratada como uma da turma. É quase
como ter uma família de novo.

GABRIELLE
Você sempre terá uma conosco
se você quiser, Afrodite. E
eu estou falando sério.

Estendendo-se, Afrodite dá um caloroso abraço em Gabrielle.

AFRODITE
Eu sei que sim, docinho.
Eu amo vocês. Vocês
sabem disso, certo?

GABRIELLE
Nós também te amamos, Afrodite.


Depois de um momento, elas se afastam.

AFRODITE
Então, eu ainda verei
vocês, não é?

XENA
Conte com isso.

AFRODITE
Excelente!

Depois de um adeus final, Xena e Gabrielle se viram e começam a caminhar descendo pela estrada fora da cidade. Afrodite olha atrás dela com uma expressão quase saudosa antes de fazer seu caminho de volta à cidade e às aventuras que esperam por ela lá.

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