terça-feira, 15 de julho de 2008

Pequenos Desafios da Vida - Terceiro Ato

CENA INT. PORÃO DA ESTALAGEM - NOITE

As crianças estão sentadas em volta de Xena, clamando a ela com incessantes perguntas.

ZIGGY
O que é isso?
(apontando para o chakram)
É um colar?

Xena pega o chakram e joga um pouco de palha no ar. Com um golpe, ela corta entre o feno e faz vários pedaços do tamanho de palitos de dente se espalharem sobre o colo de Ziggy.

XENA
É. Quer usá-lo?


ZIGGY
Ôua!

GAROTA
Qual o seu nome? Aquela outra
moça te chamou de Weener*.
Esse é realmente seu nome?

XENA
(ladrando)
Não!

* NT: Acho que Gabrielle a chamou de Xena ["zina"] e a garota entendeu weener ["uínar"] = wiener (salsicha vienense)...

As crianças pulam para trás. Elas a fitam de olhos arregalados. Xena grunhe para elas. As crianças se afastam dela.

GAROTA
Você é malvada!

XENA
(de olhos semi-cerrados)
Sim! Eu sou!
Então não se esqueçam disso.

CORTA PARA:

CENA EXT. ESTRADA DA FLORESTA - NOITE

Gabrielle corre pela estrada a um bom passo. Está muito quieto em torno dela, e ela olha para cada lado com alguma preocupação, ciente do quão exposta ela está à luz da lua na estrada.

Ela olha em volta de si. Dos dois lados da estrada há uma fileira de cerca-viva espinhosa.

GABRIELLE
Esperto, Gabrielle. Que tal pensar da próxima
vez, e talvez parar para pegar... oh, eu
diria, um CAVALO para andar?


Repentinamente, dando a volta na curva da estrada à frente, vem o som de cascos. Gabrielle diminui de velocidade, incapaz de acreditar em seus ouvidos.

GABRIELLE
(continua)
Não me diga que Argo....

As batidas de cascos se multiplicam. Gabrielle salta para fora da estrada bem a tempo, girando para trás de um arbusto quando um grupo de seis homens passa cavalgando.

CAVALEIRO
Ôua! Parem aí!
Eis uma nascente!

Gabrielle olha atrás dela, localizando uma fonte de água a menos de um pé de sua bota. Ela olha lamentosamente para o alto do céu.

Os homens pulam de seus cavalos e os levam para a fonte, deixando-os beber. Um homem se agacha para encher um odre de água. De onde ele está parado, se ele levantar os olhos, estará olhando direto para os de Gabrielle.

CAVALEIRO LÍDER
Parece bom, rapazes!
Sem sobreviventes.

Os dedos de Gabrielle lentamente se fecham no cabo de seu sai.

SEGUNDO CAVALEIRO
É! Então vamos para dentro,
pegar alguma cerveja!

CAVALEIRO LÍDER
Com aqueles muros, seremos capazes de
manter fora um maldito exército! Jagos
teve um danado de um bom plano.

SEGUNDO CAVALEIRO
É! Nossa nova fortaleza! E nós
nem tivemos que lutar por ela!

Os cavaleiros todos riem.

CAVALEIRO LÍDER
Em grande parte.
(bufando)
Queria que tivéssemos encontrado
aquela cadela dos infernos, porém.

SEGUNDO CAVALEIRO
Ah, ela está morta. Vamos! A cerveja
toda irá acabar antes de voltarmos!

Ainda rindo, a fila dos cavaleiros passa pelo esconderijo de Gabrielle, com a bota de um dos homens apenas esbarrando na sola da dela. O homem pára, e olha para baixo.

Gabrielle continua totalmente imóvel, apenas um esguicho do luar brilhando em seus olhos.

SEGUNDO CAVALEIRO
(continua)
Ei, Dork!

O cavaleiro líder se vira. Gabrielle lentamente desembainha seu sai, com a mão fora da linha de visão do homem.

DORK
Sim? Que foi? Vamos! Você não estava
reclamando sobre a cerveja? Mova-se!

O homem hesita, depois dá de ombros e caminha adiante. Gabrielle o espera desaparecer atrás do arbusto antes de colocar seu sai de volta dentro da bainha.

GABRIELLE
(sussurrando)
Obrigada, Dork.


Gabrielle espicha a cabeça para ouvir atentamente, até ouvir o som dos cavalos partindo. Então ela rasteja para fora, de debaixo do arbusto, e olha por trás dos homens.

GABRIELLE
(continua)
Fortaleza.

Ela fecha os olhos.

GABRIELLE
(continua)
Oh não.

Gabrielle fica de pé e pula de volta à estrada, depois congela, obviamente dividida. Ela começa a voltar na direção da cidade, depois hesita novamente.

GABRIELLE
(continua)
Que droga!

Abruptamente, Gabrielle se vira e irrompe a correr novamente, na direção para longe da cidade. Agora ela está correndo à toda velocidade.

CORTA PARA:

CENA INT. PORÃO DA ESTALAGEM DA CIDADE - NOITE

Xena se puxou um pouco mais para cima. Ela olha pro outro lado do aposento, para o depósito de água, depois tenta ficar de pé. Ela não vai mais longe que a dois centímetros do chão antes de voltar com pressa para baixo, com o rosto ficando mortalmente branco.

XENA
Má idéia.

As crianças se aglomeram em volta dela novamente, aparentemente tendo perdido o medo.

ZIGGY
Isso dói?

XENA
O que você acha?


GAROTA
Aposto que sim. Aposto que dói
mais por você ser tão malvada.

Xena franze a testa, com um olhar bravo para a garota.

XENA
Eu não sou malvada.

GAROTA
Sim, você é.

XENA
Não, eu não sou.

GAROTA
Sim, você é.

Xena toma fôlego para gritar, depois olha nos olhos da garota e decide pelo contrário. Talvez haja algo familiar ali.

XENA
Quer me fazer um favor?

GAROTA
Não. Você é malvada e
malcriada. Não gosto de você.

Ou talvez não haja. Xena olha para Ziggy.

ZIGGY
Eu farei! Eu farei!

GAROTA
Puxa-saco!

Xena entrega a ele um copo de madeira que ela encontrou entre os sacos.

XENA
Coloque alguma água nisto.
(pausa)
Obrigada.


Ziggy se ilumina, e corre com o copo. Um alto estampido é ouvido acima da cabeça deles, e as crianças todas se encolhem. A cabeça de Xena se levanta e ela escuta intensamente, com a sobrancelha se erguendo.

XENA
(continua)
Já deveria estar terminado a essa hora….

GAROTA
Terminado o que?

Há o som de martelar, depois. Xena escuta ainda mais intensamente. Então ela lentamente se estica e segura em uma barra de ferro. Usando apenas os braços, ela se puxa para cima.

GAROTA
(continua)
O que você está fazendo? Você é
louca? Eu acho que você é louca
E malvada E malcriada!

Xena agarra outra barra, e agora está dependurada acima do chão. Ela puxa a si mesma por todo o caminho acima até que sua cabeça esteja perto do teto, que é o chão da estalagem.

ZIGGY
Uau. E forte!
Você viu isso?! Ei!

XENA
Shhi.

GAROTA
Por quê? Não há nada para ouvir!

XENA
SILÊNCIO!


GAROTA
Você é mesmo malvadinha, Weener!


Xena olha fixo para ela. A garota relutantemente se cala. Xena escuta.

CHEFE DOS ATACANTES(Voz em Off)
Tudo bem! Chega de beber! Tirem
seus traseiros daí e comecem a
pregar essas toras no muro!

Os olhos de Xena se alargam.

XENA
(mexendo os lábios sem som)
Muro?

SEGUNDO ATACANTE NO COMANDO
Esta vai ser uma grande
fortaleza, chefe!

XENA
Fortaleza?
(expirando)
Filho de uma BACANTE!

CHEFE DOS ATACANTES
Ache alguns indivíduos errantes,
e mate-os como aos outros!

Xena olha para baixo, para as crianças, e percebe que elas ouviram o homem. Ela se deixa cair sobre sua perna boa.

XENA
Droga.

As crianças estão em pânico. Elas começam a puxar os couros de Xena.

GAROTA
O que ele quer dizer? Eles machucaram
minha mamãe? Ela me disse para
descer aqui. Ela está bem?

Xena se senta na palha. As crianças se reúnem em volta dela novamente. Xena tenta imaginar o que fazer agora. Ela não tinha planejado este cenário.

ZIGGY
(silenciosamente)
Eles vão nos matar?

Várias crianças estão chorando. Xena olha para cada uma delas enquanto pensa.

XENA
(suavemente)
Não.

Ela olha para as crianças.

XENA (continua)
Vai ficar tudo bem com vocês.


Mas Xena parece muito, muito preocupada.

CORTA PARA:

CENA EXT. ESTRADA NA FLORESTA - NOITE - ALGUM TEMPO DEPOIS

No topo da colina, a lua brilha descendo a estrada. Repentinamente, Gabrielle corre para dentro da luz, depois pára, se inclinando contra uma árvore enquanto toma fôlego. É evidente que ela tem estado correndo duro por algum tempo.

Gabrielle esfrega o rosto, limpando-o, depois caminha até o topo da cordilheira e olha por cima dela. No vale, ela localiza o comboio de carroças da cidade.

GABRIELLE
Já era tempo.

Gabrielle respira fundo, depois começa a descer a colina atrás dos habitantes da cidade. Quando ela alcança a base da colina, ela começa a gritar, acenando com os braços.

GABRIELLE
(continua)
Ei! Ei vocês aí! Ei!

O comboio de carroças não aparenta ouvi-la. Ele continua a se mover, com o som das rodas abafando o som de seus gritos.

GABRIELLE
(continua)
(gritando)
Ei!!!!!


O último homem na fileira se vira, depois puxa seu cavalo para cima quando avista Gabrielle se aproximando. Ele aparentemente não sabe o que fazer com ela.

HOMEM
Olá você! Afaste-se! Não precisamos de
placas de marcar o preço na mercadoria!

Gabrielle diminui de velocidade até parar.

GABRIELLE
Eu não sou... Eu vim
da sua cidade!

HOMEM
Minha cidade?

GABRIELLE
(apontando)
Lá atrás? Nas colinas?

O resto do comboio de carroças se detém, e Balar vem cavalgando para trás para confrontar Gabrielle.

BALAR
O que é isso? Quem é você? O que
você quer? Não temos tempo para
desperdiçar aqui, mulher!

GABRIELLE
Seu lar foi atacado.
(esperando)
Essa é razão suficiente para
gastar algum tempo ouvindo?

Chocados, os homens circundam Gabrielle, clamando por detalhes.

CORTA PARA:

CENA INT. PORÃO DA ESTALAGEM DA CIDADE - NOITE - MAIS TARDE

O som em volta do porão está ficando mais alto. Há barulho de passos firmes regularmente sobre suas cabeças, e pode-se ouvir gritos.

Repentinamente, o trinco da porta chacoalha, como se alguém estivesse tentando entrar.

VOZ
Ei! O que tem aqui dentro?
Não consigo abrí-la!

CHEFE DOS ATACANTES
Vá atrás de uma alavanca!

As crianças gritam, e correm para o outro lado do aposento.

XENA
Parem! Fiquem quietas!

GAROTA
Eles vão vir atrás de nós!
Eles vão nos machucar!

ZIGGY
Nos machucar? Sua garota tola!
Eles vão nos matar, provavelmente!
Cortar nossas cabeças fora!

Xena agarra os braços deles e os puxa para baixo, dentro do feno.

XENA
(grunhindo)
Se vocês não calarem suas bocas,
eu vou bater nelas até calarem.


A garota começa a chorar. Ziggy começa a chorar, mas finge que não.

XENA
(continua)
(mais gentil)
Ouçam-me. Eles não
vão matar vocês.

GAROTA
(se debulhando em lágrimas)
Não! Você vai!

XENA
Eu não vou matar vocês.
(pausa)
Qual o seu nome?


A garota olha para Xena.

GAROTA
O que isso te importa?

XENA
(sorrindo severamente)
Eu sou fanática por um rosto
bonitinho. Qual o seu nome?

Não há som de pancadas acima do teto.

GAROTA
Ppppatta.

Xena puxa ambas para mais perto.

XENA
Tudo bem. Ouça-me. Você não
vai morrer aqui se eu puder ajudar.

PATTA
Você é horrível.

XENA
Não, eu sou Xena. Nós não temos tempo para
nomes. Nós temos que encontrar um modo de
sair daqui antes que os grandes malcriados
lá de cima encontrem um modo de entrar.

ZIGGY
Eu posso lutar com esses caras!

Xena olha para ele.

ZIGGY
(continua)
Eu posso! Meu pai me
ensinou a lutar! Veja!

Ziggy faz punhos e começa a bater em Xena. Xena pega as mãos dele e o levanta fora do chão por elas. Ele pára de se mover e arregala os olhos para ela.

XENA
Economize isso. Eu vou precisar dessa ajuda mais tarde.

Xena abaixa Ziggy no chão.

XENA
(continua)
Venham até aqui, todos
vocês. Nós temos um plano.

As crianças todas se arrastam até Xena, e colocam suas cabeças junto a dela.

CORTA PARA:

CENA EXT. ESTRADA DA FLORESTA - NOITE - MAIS TARDE

Gabrielle se senta no meio do círculo de cidadãos. Eles estão discutindo, e obviamente em um estado de desordem.

CONDUTOR DE CARROÇA
Isso é loucura! Nós acabamos de sair de lá! Você não
pode realmente estar se referindo à nossa cidade!
Nós acabamos de descer a estrada esta noite!

GABRIELLE
Essa é a verdade. Vocês têm que acreditar em mim.

Os homens estão zangados e aborrecidos, preocupados com suas famílias.

BALAR
Mas não faz sentido! Por que eles iriam
tomar a nossa cidade... nossos lares! Nossas
famílias! Pelos deuses, e as nossas famílias??

Outra rodada de desânimo e assombro entre os homens.

CONDUTOR DE CARROÇA
O que nós vamos fazer!?

Gabrielle esperou por isso. Ela ergue a voz.

GABRIELLE
Vocês têm que voltar comigo.
Temos que tomar sua cidade de volta.


HOMENS
Tomar a cidade de volta? Ela é louca!

BALAR
Mas.... O que podemos fazer? Eles são
soldados... assassinos... Nós somos apenas....

Gabrielle se ergue ereta, depois percebe que isso não ajuda muito. Ela pula em um assento de carroça e ergue suas mãos pedindo por atenção.

GABRIELLE
Eu posso ajudar vocês.

BALAR
VOCÊ?

Os homens riem incomodamente.

Gabrielle coloca as mãos nos quadris e expira, aborrecida.

GABRIELLE
Sabe, por que ninguém nunca questiona
a Xena quando ela diz isso? É o
couro? As botas? A espada?
É isso... é a espada, não é?

BALAR
Xena? A grande guerreira?
Você a conhece?

GABRIELLE
(suspirando)
Eu a conheço. Mas ouçam, isso não
é importante no momento. Eu posso
ajudar vocês a terem seu lar de volta.
Vocês não querem fazer isso?

CONDUTOR DE CARROÇA
Ela está certa. O que podemos fazer?
Nós não somos lutadores.

Gabrielle olha para os homens. O carroceiro tem certa razão.

GABRIELLE
Talvez não, mas eu sou.


CONDUTOR DE CARROÇA
Você? Hah. Eu sou mais isso
do que você, eu acho!

Gabrielle desembainha seu sai e o atira ao homem, prendendo seu casaco à carroça. O metal passou a um fio de cabelo de seu corpo.

GABRIELLE
Quer testar essa teoria?


Os homens se agitam, incomodados. O carroceiro tenta soltar seu colete, e descobre que não consegue. O sai foi cravado até o cabo dentro da madeira.

BALAR
Nós deveríamos ir buscar o príncipe.
Ele é o homem certo para deter os atacantes.

Os homens murmuram, concordando.

GABRIELLE
Vocês não têm tempo para isso. A cada minuto em
que ficamos parados aqui, eles estão destruindo
seus lares. É isso o que vocês querem?

Os homens todos olham fixo para ela. Gabrielle pula fora da carroça e esfrega a poeira das mãos.

BALAR
Você com certeza fala muito bem.

GABRIELLE
É, bem, eu sou uma barda também.
(pausa)
Eu tenho muitas habilidades.

Os homens ainda parecem duvidosos. Gabrielle se vira e começa a caminhar de volta descendo a estrada. Ela se vira e olha par eles, mas continua caminhando.

GABRIELLE
(continua)
Vocês vêm comigo? Nós não temos tempo
algum para desperdiçar, não se vocês quiserem
ver suas esposas e crianças novamente.

Depois de um longo momento, os homens começam a se mover, decidindo seguir Gabrielle. Assim que ela se certifica disso, Gabrielle se vira e marcha com um passo largo e determinado.

BALAR
Tudo bem. Estamos com você.

GABRIELLE
Que bom!
(em voz baixa)
Eu só espero ter idéia do que eu vou
fazer com vocês antes de chegar lá.


FADE OUT.

FIM DO TERCEIRO ATO

Nenhum comentário: