sábado, 5 de julho de 2008

Sonhos do Coração - Segundo Ato

CENA INT. FORTALEZA - SALÃO DA COMUNIDADE - NOITE.

Mahon e Fergal estão sentados a uma mesa, bebendo. Seus homens os circundam, e todo o salão está repleto de homens e mulheres do clã aproveitando a chance de estarem juntos.

MAHON
Não sei não, Fergie, meu rapaz.
Acreditar em uma garotinha como
essa para dar conta do meu Niall?

Os homens de Mahon riem.

FERGAL
Ela é dessas que se irritam fácil, Mahon.
Eu apostaria meu dinheiro nela.

Os homens de Fergal balançam a cabeça, concordando.

MAHON
Você apostaria agora? Quanto?

Lorcan entra. Ele localiza os dois homens e fica parado nas sombras, ouvindo.

FERGAL
Quanto você tem?

MAHON
Eu vou facilitar para você. Vinte pratas.

FERGAL
Feito!

Lorcan caminha até a mesa. Os dois chefes de clã levantam suas canecas a ele, respeitosamente. Lorcan se senta, estendendo uma mão. Uma caneca é colocada na mão dele. Ele bebe.

LORCAN
Mahon, meu garoto. Vejo que
ainda nos deve o seu tributo.

Mahon engole o resto do que tem em sua caneca, e a bate na mesa.

MAHON
Você o terá. Antes de eu deixar estes
portões, ele estará em seu bolso.

Mahon se levanta, dá um tapinha nas costas de Fergal, e cambaleia para fora. Os homens começam a entoar uma canção vulgar. Depois de um momento, Fergal e Lorcan se unem a eles.

CORTA PARA:

CENA INT. FORTALEZA - ALOJAMENTOS DE FERGAL - NOITE.

Uma pequena área foi reservada para a família de Fergal. Não há camas de lona nem refinamentos. Sacos de dormir estão espalhados pelo chão. De um lado, há uma curvatura na parede que cria uma alcova. Neste pequeno espaço de privacidade, Xena e Gabrielle arrumam suas peles de dormir.

Gabrielle está sentada nas peles, com os braços em volta de seus joelhos. Xena caminha até ela e se senta, preparando-se para uma conversa delicada. Xena toma um fôlego.

GABRIELLE
Eu sei o que você vai dizer.


Xena fecha a boca com um audível estalo dos seus dentes se batendo. Gabrielle olha para ela.

GABRIELLE
(continua)
Você acha que se eu quisesse
muitíssimo fazer isso, eu conseguiria.

XENA
Não, não acho.

GABRIELLE
Sim, você acha, Xena, porque
é assim que funciona com você.
Quando você quer muito fazer
algo, você encontra um jeito.

Xena fica remexendo os cadarços de suas botas.

XENA
Ao menos eu tentaria.
Eu não iria simplesmente desistir.


Gabrielle olha para ela.

GABRIELLE
Eu não estou desistindo.
Eu já sei que não consigo fazer isso.

XENA
Como? Você tentou?

GABRIELLE
Xena.

XENA
Tentou?

GABRIELLE
Eu sequer conheço essas pessoas.


XENA
Talvez isso seja uma vantagem.
(pausa, franze a testa)
Desculpe. Acho que estar na
Bretanha está me afetando.

GABRIELLE
(suspirando)
Sim. A mim também.

Gabrielle se recosta em Xena.

GABRIELLE
(continua)
Nós duas perdemos muita coisa aqui.

Elas ficam em silêncio por alguns momentos. Elas podem ouvir o canto que ainda acontece no salão. Por um minuto, elas o escutam.

XENA
(suavemente)
Gabrielle?

Gabrielle coloca seu braço sobre os ombros de Xena.

GABRIELLE
Eu vou passar um tempo com eles.
É tudo o que posso prometer.

Xena vira a cabeça para olhar para Gabrielle.

XENA
Acho que você está errada quanto a si mesma.
Você pode fazer isso.


Gabrielle parece triste, embora agradecida pelo sentimento.

GABRIELLE
Obrigada. Mas não conte comigo.

Gabrielle se levanta e oferece a mão para Xena. Elas saem do quarto e caminham na direção do som das vozes cantando.

CORTA PARA:

CENA INT. SALÃO COMUNITÁRIO DA FORTALEZA - MANHÃ.

O salão da comunidade parece ter sido pisoteado por um gigante durante a noite. As mesas estão viradas e alguns homens dormem com a cerveja da noite anterior na palha suja.

Gabrielle entra, vestida em seu tecido xadrez. Ela pára na porta, localiza Fergal e dois de seus homens em uma mesa, e se aproxima deles.

FERGAL
De pé tão cedo, Gabrielle?
Você dormiu bem?

GABRIELLE
Bem, obrigada.

Gabrielle se senta perto deles. Ela está um pouco desconfortável.

GABRIELLE
(continua)
Eu… hum, pensei que talvez nós pudéssemos conversar.
Eu gostaria de conhecer o seu povo um pouco melhor.


FERGAL
Ora, claro!

Fergal acena para um homem com um prato de comidas diversas, e um suporte de canecas de cerveja. Ele entrega a Gabrielle uma caneca, e oferece a ela alguma comida.

GABRIELLE
Obrigada.
(pega o tipo de item que mais
se parece com comida)
Então, me diga.
Como é isso de viver em um clã?

CORTA PARA:

CENA EXT. MURALHA DA FORTALEZA - MANHÃ.

Xena está perambulando pela fortaleza. Ela inspeciona as defesas com um olhar instruído, e testa a força de algumas cordas que seguram os portões.

Ela caminha até os portões e olha pra fora, ao longo da estrada há uma ladeira coberta de mato com colinas se erguendo mais além. Dois homens estão parados do lado de fora do portão, batendo papo. Xena os escuta.


GUARDA #1
Que má sorte a de Fergal, né? Perdeu dois
homens, e quase perde a refeição.

GUARDA #2
Sim. Eu falei com um de seus homens na noite passada.
Disse que havia no mínimo um dúzia os atacando.

GUARDA #1
Disse mesmo.

Ambos os guardas dão gargalhada.

GUARDA #2
Sim… ele estava bêbado o suficiente para dizer
que um deles tinha uma tatuagem do clã.

GUARDA #1
O que? Ele deve estar maluco. Tão maluco quanto
Fergal ao trazer uma moça de fora para cá.

Xena caminha para trás, nas sombras, com o rosto pensativo.


CORTA PARA:

CENA INT. FORTALEZA - SALÃO COMUNITÁRIO - DIA.

Gabrielle agora tem quatro ou cinco homens do clã reunidos em volta dela.

GABRIELLE
Então, seus bardos são também seus
juízes? Como isso funciona?


FERGAL
Os bardos detém a verdade. Eles se agarram firmemente
a tudo o que somos, e eles conhecem a todos no clã,
então quem melhor que eles para poder julgar?

HOMEM DO CLÃ #1
Isso é verdade. Nós confiamos nos bardos. Quando
chega o tempo em que nós precisamos mudar,
como agora, fica perigoso para todos nós.

FERGAL
Nosso Bardo Chefe, sabe, ele está muito
velho, e adoentado. É por isso que nós
temos que escolher um novo.

Gabrielle está intrigada.

GABRIELLE
Você pode me levar para ver esse Bardo Chefe?
Eu posso conversar com ele?


Fergal pensa.

FERGAL
Ora, claro.

HOMEM DO CLÃ #1
Fergal, ele está doente.

FERGAL
E ele não irá se sentir melhor ao
ver esta mocinha tão bonita?

Fergal estende a mão para Gabrielle. Gabrielle a aceita, e ele a leva para fora do salão comunitário.

CORTA PARA:

CENA INT. FORTALEZA - APOSENTOS DO BARDO CHEFE.

Este é um quarto espaçoso. O quarto tem paredes de tapeçaria penduradas, e uma grande e confortável cama. De um lado está uma escrivaninha, com um ábaco usado sobre ela. Deitando na cama está um velho homem, com cabelo e barba prateados. Ele está vestido com roupas de dormir usadas e curtidas, e está obviamente muito doente. Ele é PADRAIG - o Bardo Chefe do clã.

Eles batem na porta. Por um momento, o homem na cama não reage. Depois, seus olhos se abrem.

PADRAIG
Venha.


A porta se abre, e Fergal entra com Gabrielle.

FERGAL
Padraig, podemos ter um momento com você?

Padraig consente, então seus olhos passam por Fergal e se fixam em Gabrielle. Suas pálpebras brancas e semicerradas se levantam.

PADRAIG
Traga gente como ela com você, Fergal, seu
velho cachorro, e você pode ficar o dia inteiro.

Gabrielle sorri.

PADRAIG
(continua)
Então esta é a sua barda de fora?
Chegue aqui mais perto, menina.

Gabrielle caminha até ele e se ajoelha perto da cama. Fergal observa por um momento, depois desliza para fora da porta, deixando-os a sós.

GABRIELLE
Eu não sou uma menina. Meu nome é Gabrielle.

Padraig se puxa um pouco para cima na cama.

PADRAIG
Bem, Gabrielle, que não é uma menina. O que
levou a gente como você a se envolver com gente
como nós? Eu ouvi dizer que você e sua amiga
salvaram o velho Fergal na estrada. Verdade?

GABRIELLE
É verdade. Nós os ouvimos sendo
atacados e fomos ajudar.

PADRAIG
Ajudar?

Padraig começa a rir, finalizando com uma pesada tosse.

GABRIELLE
Vá com calma. O que é tão engraçado?


PADRAIG
Uma pequena como você,
com o que estava ajudando?

Gabrielle se estica entre o tecido xadrez que está usando e desembainha seu sai, erguendo-o até a vista de Padraig. O sai reflete à luz da vela.

GABRIELLE
Eu não sou exatamente o que pareço.

Padraig olha fixamente para ela, então sorri lentamente.

PADRAIG
Bem, aí está uma história que eu gostaria de conhecer.

Gabrielle recoloca seu sai no lugar, depois se senta no chão perto da cama, descansando seu braço contra ela.

GABRIELLE
Tudo bem. Se você me contar sobre seu povo.


PADRAIG
(rindo)
E além de tudo sabe barganhar. Meu tipo de garota.
(dando um tapinha de leve na mão de Gabrielle)
Você começa.

Gabrielle ri ao perceber que está sendo bajulada.

CORTA PARA:

CENA EXT. FORTALEZA - PÁTIO - DIA.

Xena está fazendo ronda de novo. Ela nota uma briga e vai observar. Dois dos homens do clã estão lutando com espadas de folha larga em ambas as mãos. Outros homens estão em volta deles, aclamando e ou lançando insultos sobre os lutadores.

MAHON
Bran, seu cachorro lerdo!
Ele vai cortar seu braço na próxima!

O lutador Bran, que veste as cores de Mahon, se afasta e acena. O outro lutador usa as cores de Lorcan. Enquanto os dois homens lutam, Xena os observa de perto, seus olhos notam a tatuagem na panturrilha de Bran. Mahon percebe Xena, e caminha até ela.

MAHON
(continua)
Bem, bem. Nossa outra recém-chegada.
Xena, não é isso?

XENA
Isso mesmo. Aquele é homem seu?


Xena indica Bran.

MAHON
Sim. Ele é regular nisso. Ele tem sorte de
o melhor dos de Lorcan estar na enfermaria.
Senão já teria lhe chutado o traseiro.

Xena acha que nenhum dos homens é particularmente hábil, mas ela fica quieta. Mahon percebe a espada semi-escondida abaixo do tecido xadrez de Xena. Suas sobrancelhas se levantam.

XENA
O que aconteceu?

MAHON
Foi atrás dos ladrões, ou algo assim, dizendo ele.
(rindo)
Pra mim ele estava era bêbado, e deu de cara
com uma árvore. Sua cabeça está rachada.

Xena olha pensativa. Mahon gesticula para os homens lutando.

MAHON
(continua)
Fergal alega que você tem uma boa mão para
armas. Importa-se de demonstrar?

Xena sorri, com um toque de mistério.

XENA
Claro.


Mahon lhe dá um tapinha nas costas e ri.

CORTA PARA:

CENA INT. - FORTALEZA - QUARTO DO BARDO CHEFE - DIA.

Gabrielle e Padraig ainda estão conversando. Padraig tem sua mão apertada em torno da mão de Gabrielle e ambos parecem muito à vontade um com o outro. Em um lugar tão pouco promissor, Gabrielle encontrou um espírito irmão.


PADRAIG
E desde garotinho, isso era tudo
o que eu sempre quis. Pá!
(estalando os dedos)
E rápido assim, me escapuliu.

Gabrielle parece triste.

GABRIELLE
É assim que acontece. Às vezes você
sequer percebe que você perdeu
algo, até que ele se vá.


Padraig estuda Gabrielle com o canto dos olhos. Ele agarra a mão de Gabrielle novamente, e a levanta entre eles dois.

PADRAIG
Ao menos que você agarre firme, Gabrielle.
Como um sonho ao acordar, se lembrando de
cada detalhe em todas as suas cores.

GABRIELLE
Às vezes a vida te leva por um caminho
diferente, e você tem que deixar os sonhos irem.

Gabrielle olha em volta, mostrando o quarto.

GABRIELLE
(continua)
Como você fez. Você mudou para algo novo.

Padraig olha para ela com uma expressão meio torcida e meio sofrida. Ele se estica e puxa um dos sais de Gabrielle e o segura, girando-o em sua mão.

PADRAIG
E agora, eu mudei?
(suspirando)
Você não deveria nunca deixar um sonho ir embora, Gabrielle.
Eles são preciosos, e são muito poucos os que chegam até nós.

Padraig fecha os olhos, obviamente exausto.

GABRIELLE
Vamos descansar um pouco.
Talvez nós possamos conversar novamente mais tarde.


PADRAIG
(abrindo um olho)
Eu gostaria disso.
(pausa)
Eu certamente gostaria disso.

Padraig fecha seus olhos. Gabrielle alcança seu sai, mas a mão dele o segura firmemente. Gabrielle gentilmente o cobre com uma manta, e fica de pé, depois se vira e deixa o quarto. Seu rosto está muito pensativo.

CORTA PARA:

CENA INT. FORTALEZA - CORREDOR - MOMENTOS DEPOIS.

Gabrielle caminha lentamente pelos corredores escuros. Ela está mergulhada em seus pensamentos. Ela passa pela entrada da sala bélica, onde o clã guarda todas as suas armas. Enquanto ela caminha passando pela porta, uma sombra pula para fora da entrada e a ataca.


FADE OUT.

FIM DO SEGUNDO ATO

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